A liturgia romana afirma que o sacrifício do Filho de Deus é "princípio e modelo" de todo martírio (cfr. Missal Romano: oração sobre as oferendas, na memória dos Santos Cosme e Damião). É "princípio" porque Jesus disse a seus discípulos que seriam perseguidos por causa de seu nome. Declarando-se Filho de Yahweh, Cristo não aboliu mas que deu cumprimento à concepção judia do martírio: a morte durante a perseguição se produz por causa do nome de Deus. Este equivale a consumir a vida para que no mundo reine a justiça; e isso só é possível se se reconhece a primazia de Deus.
Com efeito, os mártires
não buscam o martírio enquanto tal, senão a santificação do nome de Deus,
princípio de toda justiça no mundo.
O sacrifício do Filho de Deus é também modelo de
martírio. O fato de que Jesus seja Deus vindo ao mundo é a verdade original que
os cristãos devem testemunhar e isso inclui, de modo escandaloso, o amor aos
inimigos e a benevolência para com os perseguidores. Com efeito, que justiça,
poderia estabelecer-se no mundo sem a conversão dos perseguidores e dos
inimigos?
O sangue de Cristo e, por meio dele, o dos cristãos
constitui seu selo. O mundo não conheceu a Deus, nos lembrou são João. Essa é a
razão pela qual o mundo persegue a Igreja. A perseguição do mundo se encarniça
contra seus membros, culpados de proclamar e testemunhar como deveria ser o
mundo para poder viver nEle. A Igreja, com efeito, se apresenta como o mundo já
ressuscitado. Nas páginas dos dos mil anos de sua história, aquelas marcadas
com cor vermelha de sangue são muito mais numerosas que as tingidas de branco,
quando a Igreja viveu em paz, e do que as negras, quando esteve particularmente
ofuscada pelo pecado de seus membros; porque a Igreja, como Jesus profetizou,
tem que seguir nisso, e sobre tudo nisso, a seu Mestre.
O mártir realiza en seu
corpo o que falta à paixão de Cristo, e isso favorece a ressurreição, do
crescimento e da vida da Igreja. Com efeito, o cristão, está disposto a
sofrer a injustiça em vez de cometê-la, portanto a morrer. A fé, deste modo, dá
lugar à caridade que não teá nunca fim (cfr N.Bux, "Porque os cristãos não
temem o martírio", ed.Piemme 2000, p 147-148).
São Paulo traçou sumamente as linhas da teologia da
perseguição, em particular quando afirma na Primeira carta aos Coríntios:
"Se nos difamam, respondemos com bondade. Viemos a ser, até agora, como o
lixo do mundo e o desprezo de todos" (4,13). Como Cristo, esteve e deve
estar disposta a pagar o preço, não da perda de identidade, mas da perda da
vida, isto é, o martírio.
A Congregação para a Evangelização dos Povos
documenta cada ano o número de missionários católicos que dão tal supremo
testemunho, pelo diálogo salvador com os povos do mundo. Que se me permita
dizer que necessitaríamos, mais do que de uma teologia da libertação, e sim de
uma "teologia da perseguição”, que reflita a condição normal do
cristianismo no mundo.Porém ela já está admiravelmente encerrada na teologia
crucis. O caminho da perseguição é um caminho obrigatório; sem o sacrifício não
há para o cristianismo - dizia Solsenitzin - possibilidade de desenvolvimento
(cfr. N.Bux, "O Quinto selo", Librería Editorial Vaticana 1997, p
163).. Que seja cruenta ou menos cruenta, a perseguição constitui o estatuto
ordinário da Igreja.
O Martirológio é pois o
necessário vade mecum do cristão e de todo aquele que busque a unidade e
trabalhe pela paz. Desde a primeira vinda de Cristo até a sua volta, a suprema
bem aventurança continua sendo a perseguição.
A
defesa da paz é doutrina inquestionável da Igreja, ao passo que o pacifismo não
o é.
Hoje, voltamo-nos, ainda mais uma vez, sobre alguns
temas que são necessários para o esclarecimento das pessoas de bem quanto à
doutrina católica e aos pacifistas.Começamos lembrando que a defesa da paz é
doutrina inquestionável da Igreja, ao passo que o pacifismo não o é. O Cardeal
Giacomo Biffi assegurou, no Retiro pregado ao Papa Bento XVI e à Cúria Romana,
em 2007, que “a guerra é certamente um mal, mas devemos lembrar que tanto na
vida das pessoas como na vida das nações, por vezes, há situações em que não se
pode responder com conselhos ou boas palavras à violência má”. Mais: “enquanto
os ideais de paz e fraternidade são valores cristãos indiscutíveis e
vinculantes, o pacifismo ou a não violência não são a mesma coisa, pois acabam
por se tornarem, muitas vezes, uma capitulação social à prevaricação e um
abandono dos pequenos e dos fracos sem defesa, à mercê de iníquos e
prepotentes” (Monsenhor J. C. Sanahuja. Poder global e religião
universal. Campinas: Ecclesiae, 2012, p. 126). Há, pois, o direito natural
e moral à legítima defesa e à guerra justa (cf. Catecismo da Igreja
Católica, n. 2263-2266 e n. 2309). Daí já se vê que o martírio é fruto de
uma graça divina especial, e não exigência primeira da moral (cf. Evangelium
Vitae n. 55).
O mártir não é, portanto, um covarde a preferir morrer para não lutar, mas, ao contrário, é alguém que luta de outro modo, ou seja, ele, com sua oferta, dá testemunho (daí o termo mártir) do Senhor por meio do chamado “Batismo de sangue” pelo qual se assemelha a Cristo. Requer-se especial graça de Deus para isso. No Apocalipse 6,9, temos a descrição do conceito de mártir nos seguintes termos: “Vi sob o altar as vidas dos que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado”. Ver também: Ap 1,13; 17,16 e At 22,20. Embora os judeus já valorizassem muito quem escolhia morrer para não trair sua fé. Daí, os elogios a Eleazar (2Mc 5,18-31) e também aos irmãos macabeus (2Mc 7,1-42), martirizados por preferirem obedecer antes a Deus que aos homens (cf. At 5,29).
No
entanto, é na fé cristã que o martírio ganhou contornos novos ao ser
apresentado como o desdobramento dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia.
Ambos levam, de um modo muito especial, à participação ritual na morte e na
ressurreição do Senhor Jesus (cf. Rm 6,1-11; 1Cor 11,26); participação que
precisa se desenvolver ou desabrochar na vida do fiel como um holocausto
agradável a Deus e culminar com a entrega da própria vida, se preciso for (cf.
Fl 2,17; 3,3; 4,18; Rm 1,9; 15,16; At 13,2; 2Tm 1,3; 4,6; Hb 9,14; 12,28;
13,15;1Pd 2,5). Quem morre mártir realiza, portanto, plenamente em si, o que
viveu – de modo ritual – nos sacramentos do Batismo e da Eucaristia. O martírio
é o ato supremo de amor ao Pai despertado e nutrido pela participação
sacramental no sacrifício de Cristo, Nosso Senhor, na Cruz do Calvário.
Isto
posto, vale a pena transcrever um trecho elucidativo da recensão que Antônio
Carlos Santini elaborou da revista La Civiltá Catolica (15/07/00).
Aí se lê que, para existir o verdadeiro martírio na Igreja “além da passagem
pela morte, o motivo deve ser o ódio à fé cristã ou às verdades e virtudes do
cristianismo. Mais: a morte deve ser sofrida como testemunho de fé com um ato
exterior de aceitação livre e consciente, recusando toda oportunidade oferecida
para evitá-la, abandonando a fé. E a mesma morte deveria ser aceita em espírito
de fé e de amor a Jesus Cristo”.
“Para S. Agostinho, ‘martyres non facit poena
sed causa’.
O que
conta é a motivação da morte, não o sofrimento em si mesmo. Logo, não se
considera mártir o cristão que foi morto por motivos políticos ou ideológicos,
por razões raciais ou por outros motivos que não são, estreitamente, conexos
com a reta fé, por mais nobres que possam ser. A essência do martírio está no motivo
pelo qual ocorreu a morte do fiel. Como se tudo isso fosse ainda pouco,
espera-se do mártir a disposição de perdoar os agressores e a capacidade de
amar ao extremo. ‘Sine charitate non valet’ (S. Tomás. Suma
Theol. II-II, q. 124, a2. ad. 2). O martírio não tem valor sem a caridade. Sem o amor
extremado de Estêvão que perdoa seus lapidadores, a exemplo de Cristo no
Calvário” (Atualização, n. 290, março/abril de 2000, p. 143. Belo
Horizonte: O Lutador; cf. Bento XVI. Catequese de 11/08/2010).
Apostolado Berakash
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