“A maior pobreza é desconhecer a Cristo” (Moysés
Azevedo)
"É
mais fácil um camelo passar por uma agulha do que um rico entrar no reino do
céu".(Mateus 19,24) Inicialmente, é preciso
entender que a figura usada por Jesus pode parecer estranha, pois não se
percebe a relação entre um camelo e uma agulha. Em hebreu, a mesma palavra era
empregada para designar cabo e camelo. Na tradução, foi-lhe dado o último
significado; é provável que no pensamento de Jesus estivesse o primeiro, seria,
pelo menos, mais natural. A referência de Jesus não era ao animal camelo, mas à
corda de amarrar navios que era feita com o pêlo do animal e, popularmente era
chamada "camelo". Agulhas também, eram
as passagens estreitas estre desfiladeiros de saídas e entradas nas cidades,
por onde passavam comerciantes, e onde os coletores e impostos montavam seus
entrepostos de cobranças, o qual o evangelista Mateus que fez este destaque, o
era, ou seja ele era cobrador de impostos para o império de Roma.
Se lermos essa frase
de Jesus e não a interpretarmos de forma contextualizada, parecerá que Deus
colocou nas mãos de alguns homens, um instrumento de inevitável perdição, um
obstáculo absoluto à ¨salvação¨, ou seja: AS RIQUEZAS. Seria um pensamento
contrário à razão e à bondade de Deus, pois, aquele que possuísse riquezas
estaria fadado a não entrar ¨no Reino dos Céus¨. As conseqüências
disso seriam a abolição da riqueza, por ser prejudicial à felicidade futura;
bem como a condenação do trabalho, que a pode conquistar, através do lucro, e
não de prejuízos.Reconduziria o homem ao estado selvagem, primitivo, contrário
à lei do progresso.
Se a riqueza é fonte de muitos males, se provoca tantas paixões, crimes, não é a ela que devemos culpar, e sim ao mal uso que o homem dela faz. O que deveria ser útil, servir de progresso para a humanidade, mal utilizado serve de opressão, escravidão, subserviência, poder. A riqueza é colocada como prova na mão de alguns, para que dela o homem faça surgir o bem e o desenvolvimento.
A dificuldade a que Jesus se refere, é que a riqueza é, sem dúvida, uma prova bastante arriscada, mais perigosa que a miséria, em virtude das excitações, das tentações que oferece e da fascinação que exerce. O orgulho e o egoísmo podem ser extremamente excitados no gozo da vida puramente sensual e material. Outro fator a considerar é a maneira com que a riqueza foi adquirida: de forma lícita ou ilícita.
Embora a riqueza dificulte o caminho, não significa que ela o torne impossível e não possa servir como meio de evolução espiritual para quem dela faça bom uso dela. Muitos santos, inclusive Reis, fizeram isto na história da Igreja.A prova da riqueza material, e até mesmo da pobreza, é colocada muitas vezes de forma providencial por Deus nas mãos certas.Depende do próprio homem, na sua conduta, aproveitar ou não as facilidades e dificuldades materiais que tem na presente em benefício de sua salvação e do próximo, oferecendo trabalho, provocando a diminuição da fome, da miséria, da ignorância, enfim promovendo o bem-estar da humanidade e o seu progresso, atingindo então, o próprio fim a que se destina: O crescimento moral e espiritual, na sua administração.
Realmente
como dizia Padre Deivid da diocese de Mossoró-RN: “Nem todo rico vai para o
inferno, e nem todo pobre vai para o Céu.” O
mal não está na pobreza. O mal está na miséria. Pelo que se todos soubessem ser
pobres, a miséria terminaria. Miséria é quando não se tem. Pobreza é quando se
reparte o que se tem. Daí que o Padre Francês Abbé Pierre, tenha sinalizado a
diferença:
«A miséria é aquilo que impede um homem de ser homem. A
pobreza é a condição para ser homem».
Assim
sendo, é a pobreza que nos faz perceber que viver é conviver. É a pobreza que
nos permite entender que não somos proprietários definitivos de nada, mas
somente meros administradores provisórios de tudo. O que temos não nos pertence
só a nós. De resto, nem nós mesmos somos donos de nós. É por isso que,
ao contrário de Sartre, que achava que «o inferno são os outros», o mesmo Abbé
Pierre proclamava que «o inferno é viver sem os outros». A miséria é
infernal porque há corações que são como muros: são difíceis de abater. Jesus
declara felizes os pobres (cf. Mt 5, 3) porque não suportam viver sem os
outros, porque não estão condicionados pelo espaço, pelo tempo ou pela posse.
No
Império Romano, oficiais imperiais coletavam impostos por cabeça e impostos
territoriais como parte das suas funções oficiais. Mas a autorização para
coletar impostos sobre exportações, importações e bens transportados por
mercadores através do respectivo país,
era adquirido em hasta pública. Assim, o direito de coletar tais impostos
ficava com os que davam o maior lance. Quando coletavam impostos, lucravam com a
receita que ultrapassasse o total do seu lance. Esses homens,
conhecidos como publicanos, subcontratavam o direito de coletar impostos em
certas partes do seu território. Os subcontratantes, por sua vez, tinham ao seu
cargo outros homens que faziam a coleta dos impostos propriamente dita. Zaqueu,
por exemplo, parece ter sido o chefe dos cobradores de impostos em Jericó e
arredores. (Lu 19,1- 2) E Mateus, a quem Jesus chamou para ser
apóstolo, era um daqueles que faziam a coleta propriamente dita dos impostos,
encontrando-se sua coletoria evidentemente em Cafarnaum ou perto dali (Mt 10,3; Mc 2,1-14).De modo que na Palestina atuavam
muitos cobradores judeus de impostos. Eram tidos em pouca estima pelos seus
patrícios, visto que freqüentemente exigiam mais do que a taxa do imposto. (Mt 5,46; Luc 3,12-13; 19,7- 8) Os demais
judeus geralmente evitavam a associação voluntária com cobradores de impostos e
os classificavam com aqueles conhecidos como pecadores, inclusive as
meretrizes. (Mt 9,11; 11,19; 21,32; Mc 2,15; Luc 5,30; 7:,)
Tinham também ressentimento dos cobradores de impostos por estes estarem a
serviço duma potência estrangeira, Roma, e em contato íntimo com gentios
“impuros”. Por isso, tratar um “irmão” que se mostrou transgressor impenitente
como “cobrador de impostos” significava não ter nenhuma associação voluntária
com ele ( Mt 18,15-17).Jesus não compactuava com a corrupção
prevalecente entre os cobradores de impostos. Estava disposto a ajudar
espiritualmente aqueles que mostrassem o desejo de ouvi-lo, embora fosse
criticado por isso. (Mt 9,9-13; Luc 15,1-7) Numa
das suas ilustrações, Jesus mostrou que o cobrador de impostos que humildemente
reconhecia que era pecador e se arrependia era mais justo do que o fariseu que
orgulhosamente se considerava justo. (Luc 18,9-14) E
cobradores de impostos humildes, arrependidos (tais como Mateus e Zaqueu),
tornaram-se prospectivos membros do Reino dos céus (Mt 21,31-32).A Mateus Cristo
o convoca para seu seguimento de perto e da perfeição do deixar tudo, já a
Zaqueu deixa em sua missão de administrar bem doravante agora suas riquezas em
favor do próximo que ele desfraldou.Quando o olhar do cobrador de impostos Zaqueu
e o do profeta cruzam-se, numa cena divertida, Zaqueu trepado sobre uma árvore,
a empatia é imediata. Jesus diz-lhe para fazer o que toda pessoa precisa na
vida: descer. E convida-se para entrar no coração do pequeno homem, que se
converte, na presença do Manso e Humilde, num gesto carregado de simbolismo:
ergue-se sobre suas contradições. O discurso de conversão (mudança de rumo) e
adesão a Jesus não fala de “pecados” de fundo pretensamente moralista nem de
“encontros espirituais”. Não: a conversão, a adesão a Jesus é a decisão de
radical empobrecimento e seguimento.O empobrecimento de Zaqueu é o
centro da história, e é crucial. Setores mais revolucionários da Igreja,afirmam
que Zaqueu não teria empobrecido, porque teria doado aos pobres “apenas” metade
de sua fortuna, como se encontrássemos ricos às pencas dispostos a abrir mão de
metade de seus bens e renda, tanto naquele tempo como hoje. Mas ele foi muito
mais adiante: “e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (v.8).
Ele lança mão de uma prescrição do livro do Êxodo: “Se alguém roubar um
boi ou uma ovelha e o abater ou vender, restituirá cinco bois por um boi e
quatro ovelhas por uma ovelha.” (Ex 21,37) Era uma pena duríssima a
quem não apenas roubasse mas se desfizesse do bem roubado de tal forma a não
poder restituí-lo à vítima: quem roubou, por exemplo, 100 reais, deveria
devolver 400.
Ora,
o cobrador de impostos era tido como um ladrão na sociedade judaica,
especialmente entre os pobres. Arrancava-lhes o pouco que tinham para sustentar
o sistema jurídico-político de Israel e os invasores romanos. Se ele devolveu
quatro vezes mais o que roubou, e toda sua fortuna, como de resto, todas as
fortunas, a conclusão é obrigatória: ele tornou-se um pobre com os pobres. E Jesus
acolheu com entusiasmo o gesto raro deste rico: “Hoje a salvação entrou
nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho
do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.” (v. 10).Uma
compreensão plena da história de conversão de Zaqueu só é possível quando
colocada diante de outra história, que lhe antecede no capítulo anterior de
Lucas. É o encontro de Jesus com outro rico. É breve, vale a pena retê-la. Lc
18,18-25:
Certo homem de posição lhe perguntou: “Bom Mestre,
que devo fazer para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu: “Por que me chamas
bom? Ninguém é bom, senão só Deus! Conheces os mandamentos: não cometerás
adultério; não matarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; honrarás pai
e mãe. Disse ele: “Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade.” Ouvindo, Jesus falou-lhe: “Ainda te falta
uma coisa: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu;
depois, vem e segue-me.” Ele, porém, ouvindo isso, ficou cheio de tristeza,
pois era muito rico. Vendo-o assim, disse Jesus: “Como é difícil aos ricos
entrar no Reino de Deus”! É mais fácil passar o camelo pelo fundo duma agulha
do que um rico entrar no Reino de Deus.”
A decisão
de Zaqueu salvou-o de sua desumanização, e ele, encontrado por Jesus,
encontrou-se. A conversão de Zaqueu é de fato a celebração de um encontro
amoroso de um homem que era tão rico, mas tão rico que única que ele tinha até
ali eram somente suas riquezas. A história chega a ser espantosa para quem se
acostumou à lógica da culpa: Jesus não o repreendeu, não exigiu um pedido de
perdão, não acusou. Apenas acolheu aquele que o procurava. Bastou para que
Zaqueu adquirisse consciência de seu pecado, pois este é um passo que jamais
poderá ser imposto por outrem ou tomado com base no medo: será verdadeiro
apenas se for consciência plena que, sem isentar de dor pelo sofrimento causado
a outrem, move-se pelo desejo de uma vida renovada e plenificada.
Os “gestores da religião” da época
escandalizaram-se: Jesus fugiu ao esquema confissão-humilhação-punição-perdão.
Nossos
pecados já foram pagos e perdoados desde sempre na Cruz de Cristo. Isto atinge
os anteriores a Cristo, os presentes a Cristo, bem como a nós, que nem ainda
havíamos nascido, bem como aqueles que ainda nem nasceram. Estamos perdoados
desde sempre, o que não significa que Deus concilie com nossos pecados, com a
opressão do próximo, com as políticas de morte, fortuna e dominação.Não
esquecendo que Deus odeia o pecado, mas ama o pecador e quer a sua conversão, e
não a sua morte no pecado, e “para com Deus, não há acepção
de pessoas” (Rom2,11).Na realidade, pobreza e riqueza, são caminhos estreitos para se chegar ao céu: a riqueza por não saber-se administra-la conforme a vontade de Deus, e a pobreza, por não saber e querer abraça-la e vivê-la, conforme Cristo e São Francisco abraçaram-na e a viveram plenamente.
Mateus 7,13-14: “Entrai pela porta estreita,
pois larga é a porta e amplo o caminho que levam à perdição, e muitos são os
que entram por esse caminho. Porque estreita é a porta e difícil o caminho que conduzem à
vida, apenas uns poucos encontram esse caminho...”
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