Nicolás
Gómez Dávila foi um escritor e filosofo colombiano. Foi um dos críticos mais
radicais da modernidade. Alcançou reconhecimento somente alguns anos antes de
seu falecimento, graças a traduções alemãs de algumas de suas obras.Nascimento:
18 de maio de 1913, Bogotá, Colômbia.Falecimento: 17 de maio de 1994, Bogotá,
Colômbia. Gómez Dávila passou a maior parte de sua vida entre seu círculo de
amigos e os limites de sua biblioteca. Pertenceu à elite colombiana e se educou
em Paris. Devido a uma severa pneumonia, passou cerca de dois anos em sua casa,
onde seria educado por professores particulares e desenvolveria sua admiração
pela literatura clássica. Entretanto, nunca frequentou uma universidade. Na
década de 1930, retornou à Colômbia e nunca voltou a visitar a Europa, exceto
por uma estada de seis meses com sua esposa em 1949. Reuniu uma biblioteca pessoal
imensa que continha mais de 30.000 volumes (conservada atualmente pela
Biblioteca Luis Ángel Arango de Bogotá) em torno dos quais centrou toda sua
existência filosófica e literária. Em 1948 ajudou a fundar a Universidad de Los
Andes em Bogotá.
Extraordinariamente
erudito, profundo conhecedor de línguas clássicas, defendeu uma antropologia
cética fundada no estudo profundo de Tucídides e Jacob Burckhardt. Considerava
que as estruturas hierárquicas deviam ordenar a sociedade, a Igreja e o Estado.
Igual a Donoso Cortés, Gómez Dávila cria que todos os erros políticos
resultavam, em última instância, de erros teológicos. Esta foi a razão pela
qual seu pensamento se descreve como uma forma de teologia política.Católico e
de princípios profundos, sua obra é uma crítica aberta a certas expressões da
“modernidade”, às ideologias marxistas e algumas manifestações da democracia e
do liberalismo, pela decadência e corrupção que abrigam. Seus aforismos (que
denominava escolios) estão carregados de uma ironia corrosiva, de inteligência,
e de paradoxos profundos.
Livros: In margine a un
testo implícito.
Formação
Universitária:
Universidade de Paris, Universidade de Los Andes.
Influências: Friedrich Nietzsche,
Juan Donoso Cortés, Tucídides, Jacob Burckhardt
“Viver com lucidez uma vida simples, calada, discreta, entre livros
inteligentes...”
Assim
viveu Nicolas Gómez Dávila, como denunciam as suas próprias palavras, e assim
permanece desconhecido em seu próprio país, e em muitas outras partes do mundo.Prova
disso é que seu divulgador italiano mais destacado, Franco Volpi, ao tentar
incluir um artigo sobre o filósofo colombiano numa enciclopédia filosófica da
qual era editor (Grosses Werklexikon der Philosophie), encontrou a seguinte
objeção: “Mas ninguém o conhece!” Só mais tarde ganhou ampla divulgação
na Itália, seguindo o exemplo da Alemanha dos anos 80, quando era admirado e
dado a conhecer por nomes como Ernst Jünger e Robert Spaemann.
No ano 2000, o editor da italiana Adelphi, depois de ler cem páginas de
aforismos de Gómez Dávila, exclamou: “Isso é incrível! Temos de entrar em
contato com os seus sucessores para comprar os direitos das obras!” E esse tipo
de surpresa continua a ocorrer com certa freqüência.
Antes de apresentar a
sua obra, e mostrar por que ele deveria ser conhecido no Brasil, falemos um
pouco sobre a vida do filósofo:
Nascido
em Bogotá, Colômbia, em 1913, numa família privilegiada, aos seis anos mudou-se
com os pais para Paris. Lá estudou em um colégio beneditino, mas, por conta de
uma forte pneumonia, foi obrigado a ter aulas em casa por um longo período,.
Retornou a Bogotá aos 23 anos de idade e casou-se com Emilia Nieto Ramos, com
quem teve três filhos.
A partir de 1949, isolou-se na bela casa da família para se dedicar a
uma vida de leitura e meditação. Por isso os seus aposentos preferidos eram os
que abrigavam a volumosa biblioteca, que chegou a ter entre trinta e quarenta
mil volumes, todos na língua original: alemão, inglês, italiano, grego, latim,
espanhol, francês e português, idiomas que conhecia a fundo. Mais tarde
chegaria a escrever: “Aquele que não aprendeu latim e grego, vive convencido,
ainda que o negue, de ser apenas semi-culto”.
No
ano de 1960, sofreu um acidente ao jogar pólo, o que limitou as suas
possibilidades de locomoção e o obrigou a usar uma prótese ortopédica. O
acidente apenas intensificou a sua situação de isolamento, o que não deixa de
ser um paradoxo, dado que a casa estava localizada numa rua barulhenta e
movimentada de Bogotá.
Entre as características que se foram intensificando estavam a sua
disciplina e paciência diante de um trabalho intelectual pouco brilhante:
leituras pausadas e a redação de um grande número de notas. Segundo o amigo
Francisco Pizano, Gómez Dávila “seguia um método casual. Lia muito e não o
fazia para se divertir, mas por verdadeiro amor ao texto. Por ocasião das
leituras, tomava notas das suas reflexões em uns cadernos nos quais guardava
milhares de aforismos que surgiam de certa iluminação que havia tido lendo
Shakespeare ou algum poeta. Seus textos eram o resultado de um trabalho de
purificação e condensação; eles nos eram dados a ler com enorme receio. Muitas
vezes, quando criticávamos algum escrito, voltava depois com novas versões do
mesmo aforismo para que escolhêssemos”.
A
sua rotina incluía a recepção de uns poucos amigos para cálidas tertúlias,
conversas entre vários, nas quais se falava de tudo, menos da “situação do
país” e de trivialidades. A sua linguagem e estilo eram cheios de simplicidade
e cuidado, o que, aliado ao conteúdo dos comentários, causava grandes
ressonâncias nos seus contertulios. Entre eles contavam-se Mario Laserna e
Francisco Pizano de Brigard, com os quais, entre outros,Gómez Dávila fundou a
Universidad de los Andes, entre 1948 e 1949.
Mario Laserna testemunha que Gómez Dávila devotou a sua vida ao “cultivo
da verdade, do bem e da beleza”.
Parecia pouco interessado em comunicar-se com a sociedade que o rodeava,
e por isso dizia não ter nada em comum com os seus conterrâneos, com exceção do
passaporte. Chegou mesmo a negar-se diversas vezes a tomar parte na vida
pública, ora como Conselheiro de Estado, ora como embaixador em Londres. Isso
não nos deve levar a pensar que a sua vida, que poderia ser facilmente tachada
de “vida numa torre de marfim”, tenha sido inútil.Gómez Dávila era um raro
integrante das “minorias ociosas” que prestam, com a sua existência e
pensamento, um enorme serviço à civilização. E esta missão, tinha-a muito
clara.
Da minha parte, tomei contato com a obra de Gómez Dávila em 2002. Passando os olhos pelos seus aforismos, quase aterrorizado pelo senso comum do autor e pela profunda “vida independente” que se desprendia deles, perguntei-me em primeiro lugar sobre o porquê de nunca ter ouvido falar desse homem.Em seguida, comecei a interrogar as pessoas com fama de erudição que conhecia. A resposta era sempre a mesma; no estilo americano, seria: “Who the hell is this guy? Never heard of ‘im”. (Quem diabos é esse cara? Nunca ouvi falar dele).Isso gerou em mim certa sensação de posse exclusiva, como se eu tivesse descoberto um continente, algo que experimentaram também, a seu tempo, Franco Volpi e Dietrich von Hildebrand com relação ao mesmo Gómez Dávila.
Passei a ler regularmente os seus aforismos, encontrando neles, creio que
o leitor terá uma sensação parecida, um eco de idéias que não tinha coragem de
confessar a mim mesmo.
O
pensamento de Gómez Dávila insere-se na tradição de Baltasar Gracián, Pascal,
La Bruyère, Nietzsche e Cioran, para citar alguns nomes. Há um ódio implícito
ao sistema e a toda espécie de arquitetura conceitual. Isso se deve, em parte,
a uma visão de mundo que tem clara consciência das limitações da razão. Essa
consciência, quer-me parecer, surge quando o escritor se depara com a
complexidade do humano e não consegue achar outro modo de exprimir a realidade
a não ser por breves sentenças, que se reportam mais a lampejos do entendimento
ou a máximas de prudência incubadas na memória do que a silogismos.Nos Escolios
não há um centro ordenador, não há divisão de assuntos, não há propriamente uma
linha de raciocínio. São cintilações de um pensamento inquieto, desafiador, e
simultaneamente experimentado, de “gato escaldado”. Isso resulta num texto
abertamente fragmentário, mas agudo e polido, porque quem o produziu domina a
língua como poucos.
Gómez Dávila, seja por humildade (leia-se “realismo”), seja por lealdade
à sua visão de mundo, teve a ousadia de ser um mero comentador. Procedia como
os glosadores de Bolonha (séc. XIII), que tinham diante de si o Corpus Juris
Civilis, o corpo de Direito Romano da época de Justiniano, e se limitavam a
escrever notas marginais para auxiliar os juristas a entender o sentido do
texto.
E qual era esse
“texto implícito” ao qual Nicolás Gómez Dávila apunha as suas notas?
O
autor definiu-se a si mesmo como um “pagão que crê em Jesus Cristo”. Com isso,
penso que queria dizer que tinha absorvido e adotado como própria toda a boa
cultura grega, em especial Homero e os trágicos, e latina, assim como o
universo inesgotável da Cristandade. Dizia que o bom leitor sabe ler livros de
qualquer época como se tivessem sido escritos para si. Para leitores assim, não
há anacronismo. Ele mesmo era um leitor desse porte, e, como Borges, reclamava
da falta, não de escritores, mas de leitores de qualidade.
Poderíamos então
indicar um núcleo para o seu pensamento?
Estranhei,
e continuo a estranhar, o epíteto que o próprio Gómez Dávila havia aplicado a
si: o de “reacionário”, como no caso do Nelson Rodrigues. “O homem inteligente
chega rapidamente a conclusões reacionárias. Hoje, entretanto, o consenso
universal dos tontos o acovarda. Quando o interrogam em público, nega ser
galileu” .Não creio tenha sido feliz o uso dessa palavra, “reacionário”.Isso
coloca o leitor, já de início, em atitude de desconfiança: as conotações
negativas que a palavra sempre teve provocam nele uma reação quase
involuntária, como a de quem ouve um palavrão.O fato é que não devemos
preocupar-nos muito com o que pretenda dizer com “reacionário”. Gómez Dávila é
Gómez Dávila. Deixemos o seu pensamento
emergir sem rótulos e pré julgamentos precipitados.Em todo o caso, não que
exista qualquer conotação política no uso que faz dessa palavra: o autor sempre
se recusou, como vimos, a aceitar cargos políticos ou diplomáticos, e tinha
horror aos partidarismos. Penso que, para ele, “reacionário” era um homem que,
vendo ruir o mundo ao seu redor, mantinha-se firmemente enraizado nos valores
perenes.Explico-me: Os valores, para quem entende que há um fundamento
metafísico para o mundo, não são fixações culturais, justificações de um estado
de coisas ou tesouros de uma civilização perdida. A ética clássica, por
exemplo, pretende-se universal, em essência independente da cultura que lhe dá
forma, embora não existam, na visão aristotélica, “valores em si”, totalmente
descolados de uma manifestação cultural.
“Existem valores que nascem na história, mas são imortais” (pág. 219);
“não pertenço a um mundo que perece. Prolongo e transmito uma verdade que não
morre” (pág. 269). Por isso é possível dizer que Gómez Dávila representa, como
ninguém, a perenidade e a “capacidade de consolação” bem fundada do pensamento
ocidental, mas com uma autoconsciência tipicamente moderna na sua forma.
Pretendo
comentar, na seqüência, apenas para abrir o apetite delicado do leitor, duas
idéias que, não sendo certamente as mais importantes na sua obra, permitem ver
até onde vai a sensibilidade do nosso autor: o tema do sexo e o do sentido de
mistério:
“A
castidade, passada a juventude, mais que da ética, faz parte do bom gosto”
(pág. 172), diz Gómez Dávila, chocando já de entrada o leitor com um termo
“medieval”. Não nos parece estranho que esse bom gosto, que era o tom implícito
das sociedades ocidentais, tenha morrido há tão pouco tempo, nos anos 60, e que
agora a propaganda em favor do seu oposto tenha prevalecido como uma obviedade
inquestionável? Será que a humanidade se iluminou, finalmente, e se livrou, sem
abertura para a discussão, de um valor que sempre se julgou perene? Não para o
nosso autor; para ele, “o erotismo é o recurso raivoso das almas e dos tempos
que agonizam” (pág. 244).
Gómez
Dávila preocupa-se com essas “ninharias” que mantêm o homem na posse de si
mesmo, que o libertam da escravidão dos caprichos. Nunca foi um moralista, e
menos ainda um puritano; bem ao contrário. Vejamos o que diz em outro lugar:
“Nada mais repugnante do que aquilo a que o tonto chama ‘uma atividade
sexual harmoniosa e equilibrada’. A sexualidade higiênica e metódica é a única
perversão que execram tanto os demônios como os anjos”. E em outro: “Um corpo
nu resolve todos os problemas do universo” (pág. 57). E mais um: “O que afasta
de Deus não é a sensualidade, mas a abstração” (pág. 73).
Ele
sabia que o sexo é amoral, belo, bom e útil à perpetruação da espécie(afinal,
nem eu nem você, leitor, estaríamos aqui não fosse por ele); basta que ele seja
visto dentro do seu contexto. A falta de pudor, por exemplo, desloca o
olhar-para-a-pessoa para um olhar que se concentra apenas no que o seu corpo
nos pode oferecer. Assim dirá: “Amor é o ato que transforma o seu objeto, de
coisa, em pessoa” (pág. 67), ou, num aforismo mais provocador: “o amor é
essencialmente adesão do espírito a um outro corpo nu” (pág. 78).
Em Gómez Dávila, o homem é uma unidade, com seus sentimentos mais
nobres, a sua inteligência, os seus desejos e instintos, também nobres na sua
ordem. Mas “o sexo não resolve nem os problemas sexuais” (pág. 58). O puritano
vê no corpo algo mau, diabólico, e se afasta dele; o admirador da pornografia
pensa o mesmo, embora o exalte. Ambos caem no mesmo erro ao dividir o homem:
reduzem-no a apenas um dos seus aspectos indissociáveis, corpo e espírito, e
tiram-no de contexto, o primeiro para fugir de um demônio, o segundo para
abraçá-lo como quem faz algo contra as normas, mas apenas para assumir uma nova
norma, surgida da revolta. “O tolo não se contenta em violar uma regra ética:
pretende que a sua transgressão se converta numa regra nova” (pág. 67). “Entre
a anarquia dos instintos e a tirania da ordem, estende-se o fugitivo e puro
território da perfeição humana” (pág. 54), acrescentará com rara sutileza.
O pensamento de
Nicolás Gómez Dávila flerta o tempo todo com o mistério:
Estamos
acostumados à idéia de que o homem que se julga independente, o livre-pensador,
está “por dentro do negócio” (entendido), mas sabemos igualmente que ele nunca
faz as verdadeiras perguntas. Se fosse esperto, teria caído na conta de que
estamos envoltos em uma grande charada. A ciência, ao invés de responder a
essas perguntas, sobre a origem do homem e do universo, por exemplo, cada vez
torna o assunto mais misterioso, ou melhor, mais confuso. Só não o sabe quem
nunca leu nada sobre física das partículas.Por isso escreveu que “tudo o que
faça o homem sentir que está envolvido em mistério o torna mais inteligente”
(pág. 180). Essa coragem de “afirmar o mistério” coloca Gómez Dávila ao lado
dos grandes homens, como Virgílio, Dante, Shakespeare e Pascal.
A
cultura da vulgaridade, do banal, mesmo sob o disfarce da última moda
intelectual, esconde uma enorme incapacidade de pensar com audácia. Afirmar o
mistério é reconhecer a própria miséria e comprometer-se a aceitar aquilo que
não se pode dominar. “Os problemas metafísicos”, escrevia Nicolás nos seus
comentários, “não inquietam o homem para que os resolva, mas para que os viva”
(pág. 291).Parte do “problema moderno” é essa revolta diante de uma realidade
que não se deixa aprisionar por um sistema de pensamento. Gómez Dávila é um
excelente antídoto contra esse paradoxal conformismo moderno.
Deixamos
com nossos leitores uma pequena seleção dos seus aforismos, traduzidas
livremente pelo autor deste artigo, retirados da sua obra mais conhecida, Escolios
a Un Texto Implícito:
Anarquia
•A
anarquia que ameaça uma sociedade que se envilece não é seu castigo, senão seu
remédio.
•Ordem
é o que resulta espontaneamente de uma norma. Não o que umas regras impõem.
•De
seu crescente cativeiro só resgatarão a humanidade vários séculos de anarquia.
•Nenhuma
classe social explorou mais descaradamente as outras que a que hoje chama a si
mesma “Estado”.
Arte
•Uma
vocação genuína leva o escritor a escrever só para si mesmo: primeiro por
orgulho, depois por humildade.
•A
originalidade não é algo que se busca, senão algo que se encontra.
•A
mais grave acusação contra o mundo moderno é sua arquitetura.
Conservadorismo
•A
medida que o Estado cresce o indivíduo diminui.
•Os
parlamentos, no Estado moderno, são resquícios feudais que tendem a
desaparecer.
•Onde
se pense que o legislador não é onipotente, a herança medieval subsiste.
•A
política sábia é a arte de vigorizar a sociedade e de debilitar o Estado
•A
regra de ouro na política está em não realizar senão mudanças mínimas e
fazê-las com a maior lentidão possível
•A
maioria das tarefas que o governante típico deste século se crê obrigado a
assumir não são mais que abusos de poder.
•Sendo
a arte do possível, a política carece de interesse em certas épocas.
•A
ciência política é a arte de dosar a quantidade de liberdade que o homem
suporta e a quantidade de servidão que necessita.
•As
sociedades não são nem mecanismos, nem organismos, mas estruturas. Podemos,
portanto, sustentar a priori que o número de formas sociais corretas é inferior
ao de combinações possíveis.
•A
falta de imaginação pode preservar um povo de muitas catástrofes.
•Os
conservadores atuais não são mais que liberais maltratados pela democracia.
•Para
que a sociedade floresça se requer um Estado fraco e um governo forte.
Comunismo,
Marxismo e Socialismo
•Chama-se
comunista quem luta para que o Estado lhe assegure uma existência burguesa.
•O
comunista odeia o capitalismo com o complexo de Édipo. O reacionário apenas o
vê com xenofobia.
•O
leitor contemporâneo ri quando o cronista medieval fala de “paladinos romanos”,
mas fica sério quando o marxista disserta sobre a “burguesia grega” ou o
“feudalismo americano”.
•A
propaganda, na Rússia como na China, seleciona tão intencionalmente os argumentos
grosseiros e as falsificações óbvias que é necessário atribuir o triunfo do
comunismo ao desdém com que trata a inteligência das multidões.
•O
socialismo deste século não herdou da sociedade burguesa que sepulta senão as
deformidades denunciadas pelo socialismo do século passado.
•O
estado socialista cura o proletariado da febre que a doutrina socialista lhe
inocula.
•Um
“socialismo com cara humana” é uma aguardente sem álcool.
•“Social”
é o adjetivo que serve de pretexto a todos os engodos.
•O
socialismo é reflexo enantiomorfo da sociedade medieval. Como as hierarquias
infernais das hierarquias angélicas.
•No
lugar do patriarcado, o socialismo patrocina a disciplina dos orfanatos.
•Na
estepe rasa o indivíduo não acha abrigo contra a inclemência da natureza, nem
na sociedade igualitária contra a inclemência do homem.
•Para
desacreditar os burgueses, Marx, simpaticamente, coloca a serviço do
proletariado a noção de “classe social sem interesses particulares” que
Voltaire inventou em proveito da burguesia.
•A
verdadeira eloquência estremece o auditório mas não o convence.
Direito
•A
plétora de leis é indício de que ninguém mais sabe mandar com inteligência. Ou
de que ninguém mais sabe obedecer com liberdade.
•As
sociedades moribundas acumulam leis como os moribundos acumulam remédios.
•Não
legislemos para a humanidade. Nem em público, nem em privado.
•Sem
propriedade “injusta” amparada por uma legislação “classista”, ninguém escapa à
necessidade de viver em postura servil.
•O
ato de despojar de seus bens a um indivíduo se chama roubo, quando outro
indivíduo o despoja. E justiça social, quando uma coletividade inteira o rouba.
•“Justiça
social” é o termo para exigir qualquer coisa que não tenhamos direito.
Espiritualidade,
Religião e Deus
•O
importante não é simplesmente crer em Deus, mas que Deus exista.
•Limitemos
nossa ambição a praticar contra o mundo moderno uma metódica sabotagem
espiritual.
•Nos
séculos espiritualmente desérticos, só se dá conta de que o século está
morrendo de sede o que ainda capta águas subterrâneas.
•Não
pertenço a um mundo que perece. Prolongo e transmito uma verdade que não morre.
•Abundam
os que se creem inimigos de Deus e só alcançam ser inimigos do sacristão.
•Religião
e ciência não devem firmar pactos de limites, senão tratados de desconhecimento
mútuo.
•A
Igreja deve intervir na política. Mas sem programa político.
•O
inferno é o lugar onde o ser humano encontra realizados todos os seus objetivos
mais egoístas.
Esquerda
•As
revoluções da esquerda só mudam a ordem dos naipes. A Revolução é inútil
enquanto não se inventem baralhos novos com novos naipes.
•As
idéias de esquerda engendram as revoluções, as revoluções engendram as idéias
de direita.
•O
esquerdista inteligente admite que sua geração não construirá a sociedade
perfeita, mas confia em uma geração futura. Sua inteligência descobre sua
impotência pessoal, mas seu esquerdismo lhe impede descobrir a impotência do
homem.
•A
esquerda finge que o culpado do conflito não é o que inveja os bens alheios,
mas o que defende os próprios.
•Pedir
ao Estado o que só a sociedade deve fazer é o erro da esquerda.
•A
falsificação do passado é a maneira como a esquerda tem pretendido elaborar o
futuro.
•A
imprensa de esquerda fabrica para a esquerda os grandes homens que a natureza e
a história não lhe fabricaram.
•Erudição
e experiência são os adversários invencíveis da esquerda.
•Os
outros me devem o que me prometeram, não o que opino que devam prometer-me.
Sobre o cadáver desta obviedade, imolada como vítima sacrificial aos deuses
infernais, se levantam os cimentos do pensamento de esquerda.
•O
intelectual de esquerda não ataca com intrepidez nem arrogância senão as idéias
que acredita estarem mortas.
•O
mau humor é secreção específica do intelecto de esquerda.
•A
esquerda atual corteja a revolução como um cinquentão caquético a uma
secretária.
•A
nova esquerda congrega os que confessam a ineficácia do remédio sem deixar de
crer na receita.
•Sem
mãos sujas, para o esquerdista não há consciência limpa.
•Na
“nova esquerda” se recrutará a infantaria da reação.
•O
esquerdismo não é ideologia de uma determinada condição social, senão uma
definível deformação mental.
•Existem
hoje duas classes de movimentos subversivos: os que um grupo de especialistas
metodicamente promove e os que unanime e espontaneamente estouram. Os primeiros
são conspirações de esquerda, os segundos insurreições contra a esquerda.
•O
entusiasmo, nos regimes de esquerda, é um produto sintético elaborado pela
polícia.
•Para
escandalizar o esquerdista basta dizer a verdade.
•O
esquerdista evita com tato milagro pisar os calos do poderoso autêntico. O
esquerdista só vilipendia os simulacros de poder.
Filosofia
•A
dialética é a simulação de um diálogo dentro de um solilóquio.
•Toda
proposição universal é falsa. Menos esta.
•Nunca
é tarde demais para nada verdadeiramente importante.
•O
relativista dificilmente relativiza a si mesmo.
•O
relativismo é a solução do que é incapaz de por as coisas em ordem.
•As
verdades não são relativas. O relativo são as opiniões sobre a verdade.
•Quem
se empenha em refutar argumentos imbecis acaba fazendo-o com raciocínios
estúpidos.
Liberalismo
•Existem
duas interpretações do voto popular: uma democrática, outra liberal. Segundo a
interpretação democrática é verdade o que a maioria resolve; segundo a
interpretação liberal a maioria meramente escolhe uma opinião. Interpretação
dogmática e absolutista uma; interpretação cética e discreta, a outra.
•A
discussão do reacionário com o democrata é estéril porque nada têm em comum;
por outro lado, a discussão com o liberal pode ser fértil porque compartilham
vários postulados.
•A
separação dos poderes é a condição da liberdade.
•Na
sociedade moderna, o capitalismo é a única barreira ao espontâneo totalitarismo
do sistema industrial.
Mundo moderno
e Estado moderno
•No
Estado moderno as classes com interesses opostos não são tanto a burguesia e o
proletariado como a classe que paga impostos e a classe que deles vive.
•É
difícil simpatizar com o clero moderno desde que se tornou anticlerical.
•Ideário
do homem moderno: comprar o maior número de objetos; fazer o maior número de
viagens; copular o maior número de vezes.
•Os
Evangelhos e o Manifesto comunista palidecem; o futuro do mundo está em poder
da coca-cola e da pornografia.
•O
Estado moderno realizará sua essência quando a polícia, como Deus, presencie
todos os atos do homem
•A
nova estupidez permite a cada época debochar das estupidezes precedentes.
•O
Estado moderno fabrica as opiniões que recolhe depois respeitosamente, com o
nome de opinião pública.
Outros
•Respeitar
a nossos superiores é antes de mais nada uma prova de bom gosto.
•Com
bom humor e pessimismo não é possível nem errar nem entediar-se.
Pobreza e
Riqueza
•Entre
ricos e pobres hoje, só diferencia o dinheiro.
•Já
não há classe alta, nem povo; só há plebe pobre e plebe rica.
•O
amor à pobreza é cristão, mas a adulação ao pobre é mera técnica de
recrutamento eleitoral.
•Os
pobres, na verdade, odeiam apenas a riqueza estúpida.
•Só
escapam da veneração ao dinheiro os que escolhem livremente a pobreza, ou os
que herdam sua fortuna.
•O
político democrata se vende sempre. Aos ricos, à vista. Aos pobres, à prazo.
•Quando
os exploradores desaparecem, os explorados se dividem em exploradores e explorados.
Povo e
Democracia
•Em
tempos aristocráticos o que tem valor não tem preço; em tempos democráticos o
que não tem preço não tem valor.
•O
povo não se rebela nunca contra o despotismo senão contra a má alimentação.
•O
problema da educação dos educadores é problema que o democrata esquece em seu
entusiasmo pela educação dos educandos.
•O
povo reivindica a liberdade de ser seu próprio tirano
•Soberania
do povo não significa consenso popular, senão atropelo por uma maioria.
•Os
pecados que escandalizam o público são menos graves que os que ele tolera.
•Ao
democrata não basta que respeitemos o que quer fazer com sua vida, exige também
que respeitemos o que quer fazer com a nossa.
•Um
democrata se indigna que suas vítimas se indignem.
•A
porcentagem de eleitores que se abstém de votar mede o grau de liberdade
concreta em uma democracia. Onde a liberdade é fictícia, ou onde está ameaçada,
a porcentagem tende a zero.
•Os
tribunais democráticos não fazem tremer os que são realmente culpados, mas os que são acusados.
•“Justiça
popular” é eufemismo para degola.
•Os
partidos políticos não disputam hoje pelos programas. Ao contrário, disputam os
programas.
Progressismo
•O
progressista crê que tudo logo se torna obsoleto e ultrapassado,exceto suas
idéias.
•O
“sentido da história” seria insignificante, se nossa inteligência conseguisse
entendê-lo.
•O
progressista se irrita, quando velho, ao ver que a história arquiva o que
chamou de progresso quando jovem.
•O
homem é um animal educável, desde que não caia em mãos de pedagogos
progressistas, que são capazes de levar do nada ao coisa alguma.
•Quando
se diz que pertence a seu tempo só se está dizendo que coincide com o maior
número de idiotas do momento.
•Ninguém
pode escapar de sua época, mas com um pouco de tato pode eludir suas
trivialidades.
•Nada
mais perigoso que resolver problemas transitórios com soluções progressistas
experimentais e não permanentes, já testadas com sucesso na história, querendo
reinventar a roda.
•Anacronismo,
é quando os preconceitos de outras épocas nos são incompreensíveis quando os
nossos nos cegam.
•O
progresso é filho do conhecimento da natureza. A fé cega no progresso é filha
da ignorância da história.
•O
clero progressista não decepciona nunca o aficionado ao ridículo.
•O
raciocínio cardeal do progressista é belíssimo: o melhor sempre triunfa, porque
se chama melhor ao que triunfa independente dos resultados.
•O
clérigo progressista, em tempos revolucionários, acaba morto, mas não como
mártir.
•Achar
que saber quais são as reformas progressistas que o mundo necessita é o único
sintoma inequívoco de estupidez.
Reacionários
•A
reação explícita começa no final do século XVIII; mas a reação implícita começa
com a expulsão do diabo do paraíso para a terra.
•Nós
reacionários concedemos aos tolos o prazer de sentir-se como atrevidos
pensadores de vanguarda.
•Os
textos reacionários parecem obsoletos aos contemporâneos e de uma atualidade
surpreendente à posteridade. O maior exemplo é a bíblia.
•Ao
democrata, para refutar os argumentos do reacionário, só lhe ocorre dizer que
são argumentos de reacionário.
•O
socialista não entende que os que prevêm o triunfo do socialismo são
reacionários. Quando precisamente o são, justamente porque o prevêm.
•Só
um talento evidente faz com que perdoem as idéias de um reacionário, enquanto
que as idéias do esquerdista fazem com que o perdoem por sua falta de talento.
•O
reacionário não se torna conservador senão nas épocas que guardam algo digno de
ser conservado.
•Tratar
o inferior com respeito e carinho é a síndrome clássica da psicose reacionária.
•Não
é uma restauração o que o reacionário espera, senão um novo milagre.
•O
pensamento reacionário não é reação de medo, é reação ante o crime.
•Os
reacionários se recrutam entre os espectadores de primeira fila de uma
revolução.
•A
emigração é o último recurso do reacionário. O último recurso do democrata é o
terror.
•O
reacionário não condena a mentalidade burguesa, senão seu predomínio. O que nós
reacionários deploramos é a absorção da aristocracia e do povo pela burguesia.
•Ao
esquerdista que proteste igualmente contra crimes de direita ou de esquerda,
seus camaradas, com razão, lhe dizem reacionário.
Revolução
•As
revoluções socialistas não são filhas de pobres e iletrados, senão de ricos e
intelectuais.
•A
justiça imanente postula que só um revolucionário fuzile a outro.
•As
burocracias não sucedem casualmente as revoluções. As revoluções são os partos
sangrentos das burocracias.
•A
agitação revolucionária é endemia urbana e só epidemia camponesa.
•A
história tem provado que toda revolução agrava os males contra os quais luta.
•A
estupidez cega e fanática é o combustível da revolução.
•O
revolucionário é, depois de tudo, um indivíduo que não se atreve a roubar
sozinho.
•A
rebelião é reação contra uma condição intolerável; a revolução é técnica de um
projeto burguês.
•A
falta de vergonha com que o revolucionário mata espanta mais que suas matanças.
•A
revolução absoluta é o tema predileto dos que nem sequer se atrevem a protestar
quando os pisam.
•As
revoluções tem por função destruir as ilusões que as causam.
•A
estupidez é a mãe das atrocidades revolucionárias. A ferocidade é só a
madrinha.
Sabedoria,
Inteligência e Maturidade
•A
sabedoria consiste em resignar-se ao único possível sem proclamá-lo o único
necessário.
•Ser
jovem é temer que nos creiam estúpidos; amadurecer é temer sê-lo.
•Amadurecer
não consiste em renunciar a nossos desejos, senão em admitir que o mundo não
está obrigado a realizá-los.
•Quem
tenha curiosidade de medir sua estupidez, que conte o número de coisas que lhe
parecem óbvias.
•Exigir
à inteligência que se abstenha de julgar lhe mutila sua faculdade de
compreender.
•A
maturidade do espírito começa quando deixamos de sentir-nos encarregados do
mundo.
Totalitarismo
•O
Estado é totalitário por essência. O despotismo total é a forma à qual
espontaneamente tende.
•Totalitarismo
é a fusão sinistra de religião e estado.
•A
unanimidade, em uma sociedade sem classes, não resulta da ausência de classes,
mas de presença da policialesca.
*Júlio
Lemos é escritor e doutorando pela Faculdade de Direito da USP.
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