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domingo, 8 de abril de 2018

Liturgia não é uma mera questão de “pode não pode”, mas de POR QUE É ASSIM ?





“Assim existem na Liturgia dois aspectos a serem observados. “A Liturgia, como ensina o Concílio Vaticano II, consta de uma parte imutável, divinamente instituída, e de partes suscetíveis de mudança. Estas, com o correr dos tempos, podem ou mesmo devem variar, se nelas se introduzir algo que não corresponda bem à natureza íntima da própria liturgia, ou se estas partes se tornarem menos aptas. Com esta reforma, porém, o texto e os ritos devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, na medida do possível, e também participar plena e ativamente da celebração comunitária” (SC 21).




Por que a liturgia? O que significa liturgia? (CIC 1066-1070)


A profissão de fé, abordada na primeira parte do Catecismo da Igreja Católica, é seguida pela explicação da vida sacramental, por cujo meio Cristo está presente e age, continuando a edificação da sua Igreja. Se na liturgia, aliás, não se destacasse a figura de Cristo, que é o seu princípio e está realmente presente para torná-la válida, nem sequer teríamos a liturgia cristã, que depende do Senhor e é sustentada pela sua presença.Existe, então, uma relação intrínseca entre fé e liturgia, ambas intimamente unidas. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não teria eficácia, pois careceria da graça que alicerça o testemunho dos cristãos.




“Por outro lado, a ação litúrgica nunca pode ser considerada genericamente, prescindindo-se do mistério da fé. A fonte da nossa fé e da liturgia eucarística, de fato, é o mesmo acontecimento: o dom que Cristo fez de si mesmo no mistério pascal” (Bento XVI, Sacramentum Caritatis, 34).




Se abrirmos o catecismo na sua segunda parte, leremos que a palavra “liturgia” significa, originariamente, “serviço de e em favor do povo”. Na tradição cristã, significa que o povo de Deus faz parte da “obra de Deus” (CIC, 1069).Em que consiste essa obra de Deus da qual fazemos parte? A resposta do catecismo é clara e nos permite descobrir a íntima conexão que existe entre a fé e a liturgia:




“No símbolo da fé, a Igreja confessa o mistério da Santíssima Trindade e o seu desígnio benevolente (Ef 1,9) para toda a criação: o Pai realiza o "mistério da sua vontade" dando o seu Filho Amado e o Espírito Santo para a salvação do mundo e para a glória do seu nome” (CIC, 1066).




“Cristo, o Senhor, realizou esta obra da redenção humana e da perfeita glorificação, preparada pelas maravilhas que Deus fez no povo da antiga aliança, principalmente pelo mistério pascal da sua bem-aventurada paixão, da ressurreição dentre os mortos e da sua gloriosa ascensão” (CIC, 1067). É este o mistério de Cristo, que a Igreja “anuncia e celebra na sua liturgia a fim de que os fiéis vivam dele e dêem testemunho dele no mundo” (CIC, 1068).



Por meio da liturgia, “exerce-se a obra da nossa redenção” (Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, 2). Assim como foi enviado pelo Pai, Cristo enviou os apóstolos para anunciarem a redenção e “realizarem a obra de salvação que proclamavam, mediante o sacrifício e os sacramentos, em torno dos quais toda a vida litúrgica gira” (ibidem, 6).




Vemos assim que o catecismo sintetiza a obra de Cristo no mistério pascal, que é o seu núcleo essencial. E o nexo com a liturgia se mostra óbvio, pois “por meio da liturgia é que Cristo, nosso Redentor e Sumo Sacerdote, continua na sua Igreja, com ela e por ela, a obra da nossa redenção” (CIC, 1069). Assim, esta “obra de Jesus Cristo”, perfeita glorificação de Deus e santificação dos homens, é o verdadeiro conteúdo da liturgia.Este é um ponto importante porque, embora a expressão e o conteúdo teológico-litúrgico do mistério pascal devam inspirar o estudo teológico e a celebração litúrgica, isto nem sempre foi assim.



“A maior parte dos problemas ligados às aplicações concretas da reforma litúrgica têm a ver com o fato de que não foi suficientemente considerado que o ponto de partida do concílio é a páscoa [...]. E páscoa significa inseparabilidade da cruz e da ressurreição [...]. A cruz está no centro da liturgia cristã, com toda a sua seriedade: um otimismo banal, que nega o sofrimento e a injustiça do mundo e reduz o ser cristãos a ser educados, não tem nada a ver com a liturgia da cruz. A redenção custou a Deus o sofrimento do seu Filho e a sua morte. Daí que o seu exercitium, que, segundo o texto conciliar, é a liturgia, não pode acontecer sem a purificação e sem o amadurecimento que provêm do seguimento da cruz” (Bento XVI, Teologia della Liturgia, LEV, Vaticano, 2010, págs. 775-776).




Esta linguagem conflita com aquela mentalidade incapaz de aceitar a possibilidade de uma intervenção divina real neste mundo em socorro do homem. Por isso, “quem compartilha uma visão deísta considera como integrista a confissão de uma intervenção redentora de Deus para mudar a situação de alienação e de pecado, e este mesmo juízo é emitido a propósito de um sinal sacramental que torne presente o sacrifício redentor. Mais aceitável, aos seus olhos, seria a celebração de um sinal que correspondesse a um vago sentimento de comunidade. Mas o culto não pode nascer da nossa fantasia; seria um grito na escuridão ou uma simples auto-afirmação. A verdadeira liturgia pressupõe que Deus responde e nos mostra como podemos adorá-lo.




“A Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na eucaristia precisamente porque o próprio Cristo se entregou antes a ela no sacrifício da cruz” (Sacramentum Caritatis, 14). A Igreja vive desta presença e tem a difusão desta presença no mundo inteiro como a sua razão de ser e de existir” (Bento XVI,Discurso de 15 de abril de 2010).




Esta é a maravilha da liturgia, que, como o catecismo recorda, é culto divino, anúncio do evangelho e caridade em ato (cf. CIC, 1070).  É Deus mesmo quem age, e nós nos sentimos atraídos por esta sua ação, a fim de sermos, deste modo, transformados nele.




Quando qualquer grupo realiza uma ação comunitária, como uma festa ou um jogo, ele segue um roteiro para se compreender em sua comunicação. Assim, não há jogo sem as regras do jogo. Estas normas ou regras devem ser conhecidas e seguidas por todos os participantes. Caso contrário, em vez de comunhão só sairá confusão. As regras do jogo sustentam o jogo, são a comunicação do jogo. Mas o que importa mesmo é o jogo, é a festa.Assim também na Sagrada Liturgia. Ela é sempre uma ação comunitária da Igreja, comemorando o mistério pascal ou os diversos mistérios de Cristo. As normas ou os ritos constituem como que as regras do jogo, para que aconteça o jogo.


A Liturgia se expressa através de sinais sensíveis e significativos da obra da salvação e de glorificação de Deus de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Estes sinais que chamamos também de símbolos são os diversos ritos, constituídos não só de palavras, mas de ações que comemoram e tornam presentes a Páscoa de Cristo e dos cristãos, ou celebram as páscoas dos cristãos na Páscoa de Cristo.Os ritos, as normas constituem a linguagem dos mistérios celebrados, levam os fiéis entrarem em comunhão com o mistério, a se tornarem um com Deus, por Cristo, na força do Espírito Santo.


Assim existem na Liturgia dois aspectos a serem observados. “A Liturgia, como ensina o Concílio Vaticano II, consta de uma parte imutável, divinamente instituída, e de partes suscetíveis de mudança. Estas, com o correr dos tempos, podem ou mesmo devem variar, se nelas se introduzir algo que não corresponda bem à natureza íntima da própria liturgia, ou se estas partes se tornarem menos aptas. Com esta reforma, porém, o texto e os ritos devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, na medida do possível, e também participar plena e ativamente da celebração comunitária” (SC 21).


Acontece freqüentemente em aulas, cursos ou encontros de formação litúrgica que os  participantes comecem a perguntar: “Pode isso, pode aquilo? e muitas vezes recebem como respostas um simples: Não sei porque, mas sei que não pode, e sempre foi assim...” O correto seria responder:


“Não pergunte se pode ou não pode, mas que sentido tem tal norma ou tal rito, ou por que tal norma, tal rito? Por que é assim ?”


O correto sobre as questões de Liturgia é explicar o sentido das diversas expressões litúrgicas, procurando sempre seu sentido religioso, sua origem, seu sentido de linguagem, de comunicação do mistério celebrado e captar e aprofundar o mistério revelado e comunicado por eles. Assim os fieis são  levados a compreender melhor o que seja a Sagrada Liturgia, a entender o sentido teológico e espiritual das “sagradas cerimônias” da Igreja. A Liturgia será acolhida e vivida como cume e fonte de toda a vida cristã, como a primeira e necessária fonte, da qual os fiéis haurem o espírito verdadeiramente cristão (cf. SC 14).Claro que a Liturgia precisa também de normas, de leis, que orientam e sustentam a ação comunitária, mas elas não são o elemento principal. Desta forma evitaremos uma compreensão por demais jurídica ou legalista da Liturgia da Igreja, para não se cair num ritualismo estéril.


(Frei Alberto Beckhäuser, OFM)


Fonte: franciscanos.org.br