(foto reprodução)
*Por Ivanaldo Santos
(Filósofo)
Atualmente vemos dois movimentos que, mesmo sendo diferentes, em
sua essência, terminam se completando:
-O primeiro movimento
é uma onda de críticas e de denúncias contra setores da esquerda católica e até
mesmo contra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Algumas dessas
críticas e denúncias são vagas e até mesmo injustas. Sobre esse delicado
momento da Igreja no Brasil Dom Fernando Rifan, Bispo da Administração Apostólica
Pessoal São João Maria Vianney, em um equilibrado artigo, cujo título é Em
defesa da CNBB, esclarece que, de um lado, “tem havido ultimamente muitas
críticas e mesmo ofensas e insultos à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), que requerem esclarecimentos, pois desorientam os católicos. [...].
Isso posto, recordamos que o espírito de fé e o respeito que o católico deve à
hierarquia da Igreja impedem-no de tratar a Igreja como uma sociedade
qualquer”. Do outro lado, “aos caríssimos irmãos no episcopado lembro
humildemente que, mesmo exagerando e passando dos limites, os clamores dos
fiéis leigos podem estar refletindo o sensus fidelium, que devemos escutar.
Está na hora de recuperarmos o bom nome da nossa Conferência Episcopal. Não
podemos tolerar pacificamente tantos abusos doutrinários e litúrgicos que vemos
por aí, em nossas Igrejas, e que fazem tanto sofrer nossos fiéis. Será que eles
não estão explodindo de tanto aguentar certas invencionices litúrgicas e
aberrações doutrinárias?”.
-O segundo movimento é uma forte inquietação dentro da
esquerda católica com os acontecimentos políticos e sociais no Brasil e no
mundo.
Acontecimentos que conduziram, em muitas regiões do mundo, a decadência das
esquerdas, e no Brasil culmina com a decadência do Partido dos Trabalhadores
(PT) e a prisão do ex-presidente da república e líder messiânico: o Sr. Luiz
Inácio Lula da Silva, mais conhecida como Lula. No Brasil, assim como
em outras regiões do mundo, a esquerda católica acusa uma série de segmentos
sociais pela decadência da esquerda culminando na prisão do líder messiânico
Lula. Entre esses segmentos citam-se: o
neoliberalismo (uma espécie de religião do mercado e do consumo), a sociedade
centrada no indivíduo, uma incompreensão dos cristãos diante da missão do
próprio Jesus Cristo (seria Jesus Cristo um mero sindicalista ou coisa
semelhante?), uma fé subjetiva e o que se convencionou chamar de “movimento
conservador” liderado pelo Opus Dei.
É necessário esclarecer que a esquerda católica não entende nada
do que seja o “movimento conservador”!
Apesar do bom trabalho que
o Opus Dei realiza com a juventude, a esquerda católica se comporta parecendo
com o exército americano nas selvas do Vietnã, ou seja, apesar da forte
superioridade militar ignorou as redes de túneis e outras estratégicas da
guerrilha vietnamita. A consequência desse erro foi que o exército americano
sofreu humilhantes derrotas militares. Algo semelhante está acontecendo com a
esquerda católica: vive colocando a culpa numa entidade mágica chamada “Opus
Dei” (e não no movimento católico do Opus Dei) e ignora a profundidade das
“redes de túneis”. O fato é que desde a
prisão do líder messiânico Lula que a esquerda católica acusa os cristãos de
não entenderem nada do que seja a missão de Jesus Cristo e da Igreja. Ao
que parece algo deu errado, e muito errado, dentro da estratégia da esquerda
católica. Não está sendo criado uma espécie de “manual dos erros da
esquerda católica”. No entanto, de forma sucinta, apresenta-se o grande erro da
esquerda católica.O problema central é que, ao menos nos últimos 12 meses, a esquerda
católica tem feito apelos para o nível da fé, da caridade cristã, apela para a
doutrina da Igreja. Tudo em nome de um projeto de mudança social, de igualdade
social radical, uma espécie de “socialismo cristão”. Todo esse apelo, no entanto, parece inútil.
Pois, os fiéis cristãos parecem ignorar esse repentino apelo a fé e a doutrina
da Igreja.
Para entender o porquê desse apelo não está funcionando (e
dificilmente vai funcionar) é necessário compreender a estratégia central da
esquerda católica.
Ela
fez uma clara “opção preferencial” pela modernidade e pela vida material.
Influenciada pela teologia da morte de Deus, pela teologia liberal europeia e
pela interpretação marxista contida na teologia da libertação, a esquerda
católica renegou o princípio estabelecido pelo próprio Jesus Cristo de que
Maria (a mulher que ungiu o corpo de Cristo, que contemplou o Salvador, etc)
“escolheu a melhor parte” (cf. Lucas 10, 38-42), ou seja, o centro da Igreja é
a vida espiritual, a busca pela conversão, pela piedade, pela mortificação, a
vida eclesial e a caridade. Tudo isso, porque, como o próprio Cristo
determinou, o Reino de Deus “não é deste mundo” (João 18, 36). A consequência de a
esquerda católica ter feito uma “opção preferencial” pela modernidade, pela
vida material é que houve uma mudança profunda (quase uma revolução) dentro do
pensamento desse segmento da Igreja. Houve uma passagem radical da cosmovisão
cristã tradicional (conversão, piedade, centralidade em Jesus Cristo, Reino de
Deus, comunhão eclesial, caridade, missão, pregação do Evangelho, doutrina,
etc) para a cosmovisão da modernidade (Estado, socialismo, marxismo,
individualismo, sociedade secular, niilismo, hedonismo, etc).
Com a adesão
radical à modernidade houve uma mudança profunda dentro da perspectiva de como a
esquerda católica vê a Igreja! Por exemplo:
-A doutrina
católica, herdada diretamente dos apóstolos, virou “dogmatismo alienante”!
-A liturgia virou “cada um faz como quiser”, e o altar da consagração virou
“picadeiro de circo”!
-Catecismo virou
“resquício autoritário do Concílio de Trento”
-A Igreja foi transformada numa
“instituição patriarcal e autoritária”.
-A Bíblia virou um “livro homofóbico”.
-Espiritualidade
virou uma mera “prática medieval”.
-A patrística virou “pensamento antigo”.
-Tomás de Aquino virou um pensador Clássico demais, “superado e preso a Idade Média”, o tomismo
virou uma forma de “pensar alienante e engessada”.
-O pensamento dos papas virou
“pensamento autoritário da Igreja de Roma, coisa de europeu”,
-Interpretação
bíblica virou “cada um lê e interpreta como quiser”.
-O Reino de Deus virou mera “luta social e políticas públicas”,
-Fé encarnada virou “fazer parte de algum
partido político de esquerda e de movimentos sociais”,
-O papa virou o “último
dos monarcas absolutistas”,
-O Vaticano deixou de ser a Santa Sé e passou a ser
o “último reino absolutista” , e assim sucessivamente.
Nos últimos 40 ou 50 anos os fiéis católicos aprenderam que não
importa a história da Igreja, a autoridade e a hierarquia da Igreja, que todo o
magistério e a doutrina da Igreja podem ser simplesmente ignorados!
O que importa é o que o indivíduo (e
não mais o fiel da Igreja) pensa, sente, como ele vê e age dentro da sua
realidade social. Dentro desse contexto, emergiu uma preocupação obsessiva com
a dimensão social e um abandono, quase que completo, da dimensão
espiritual. De forma surpreendente nos
últimos 12 meses, algo que se intensificou com a prisão do líder messiânico
Lula, a esquerda católica vem a público cobrar dos fiéis um maior compromisso
com a fé, uma maior obediência a hierarquia da Igreja. Nessa perspectiva, os
fiéis têm o dever ético de seguir os bispos e, por causa disso, seguir as
orientações a favor de líderes da esquerda nacional e internacional. Um bom
exemplo disso foi o “showmissa” (algo novo para a Igreja e para a sociedade
brasileira) onde padres e bispos católicos apresentavam o Lula como grande
cristão, homem de muita fé e perseguido por questões políticas. O
problema é como os fiéis da Igreja e mesmo os homens de boa fé que estão fora
da Igreja, poderão seguir e colocar em prática as fortes recomendações desses
padres e bispos se, esses mesmos padres e bispos, passaram os últimos 40 ou 50
anos ensinando as pessoas que tudo que a Igreja falou nos últimos 2 mil anos é
pura fantasia? Ensinando que tudo que importa é uma interpretação pessoal,
subjetiva do Evangelho? Ensinando que tudo na Igreja é puro autoritarismo e
medievalismo? Ensinando que o que importa é a dimensão social?Como muito bem ensina
o Evangelho, a esquerda católica está correta ao propagar que a “fé, por si só,
se não for acompanhada de obras, está morta” (Tiago 2, 17) e que nem “todo
aquele que diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus” (Mateus 7, 21). No
entanto, o erro central da esquerda católica é acreditar que apenas as obras
(dimensão social, movimentos sociais, etc) vão salvar o indivíduo. É preciso
ver que as obras sem a fé também é morte, também é alienação. A esquerda
católica errou ao pensar que poderá salvar o ser humano apenas com meras obras
sociais. Esse erro fez que, hoje em dia, a esquerda católica clame por uma
dimensão da fé que vá além do individual e do subjetivo, mas as multidões não
ouvem mais a voz dessa estrutura da Igreja. A esquerda católica precisa se
reencontrar com a Igreja e com Jesus Cristo. Logo Jesus Cristo que é
“todo aquele que vir o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e Eu o
ressuscitarei no último dia” (João 6, 40) e, portanto, “não há salvação em nenhum
outro ente, pois, em todo universo não há nenhum outro Nome dado aos seres
humanos pelo qual devamos ser salvos!” (Atos 4, 12).
A esquerda católica precisa ter a coragem do
Apóstolo Pedro quando afirmou:
“Senhor, a quem iremos? Se só Tu
tens palavras de vida eterna” (João 6,
68).
*Prof, Dr Ivanaldo Oliveira dos Santos Filho, mais conhecido no meio
acadêmico como Ivanaldo Santos, possui Graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (1999), Especialização em Metafísica pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (2001), mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (2002), doutorado
em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(2005), pós-doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade de São Paulo
(2011) e pós-doutorado em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (2016). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Tem experiência na área de Estudos da
Linguagem, Linguística, Ensino e Educação, com ênfase em Filosofia da
Linguagem, Filosofia Analítica e Análise do Discurso, atuando principalmente
nos seguintes temas: Wittgenstein, jogos de linguagem, filosofia analítica,
Foucault, leitura, dialética, Platão, Nietzsche, Tomás de Aquino, (neo)tomismo,
filosofia contemporânea e análise cultural. É líder do Grupo de Estudos do
Discurso (GRED) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, membro do GT
Filosofia da Linguagem da ANPOF, sócio fundador da Sociedade Brasileira de
Filosofia Analítica (SBFA), membro da Associação Brasileira de Linguística
(ABRALIN) e membro do Instituto Jacques Maritain do Brasil (IJMB).
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