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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

A burguesia definitivamente não fede – Elogio acadêmico a burguesia no bonde da história







“A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia...

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista...

Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo...”

(Burguesia – Cazuza)




Contrariando Cazuza que se contradiz em sua letra: “Só existe poesia, por causa da burguesia.” Existem vários “elogios” na literatura universal, sendo os mais conhecidos o clássico de Erasmo sobre a loucura; um outro sobre a preguiça (pasmem !!! feito por um discípulo de Marx). Não me lembro, porém, de ter lido, alguma vez, em qualquer lugar, um elogio à burguesia e, menos ainda, à aristocracia. Não espero, por certo, encontrar no ambiente acadêmico alguma referência positiva a essas duas personagens coletivas, que são historicamente importantes. Não existe a menor chance disso ocorrer nesse ambiente, pois ambas as classes são erradamente identificadas a elites reacionárias e, em consequência, execradas pelo pensamento esquerdista, supostamente marxista, que grassa anacronicamente em nossas faculdades de Humanidades (anacronicamente dito stricto sensu, posto que os acadêmicos em questão se enganam de século). A possibilidade de que uma delas (certamente jamais a segunda, em todo caso) possa ser vista ou considerada como “útil”, por algum papel positivo na história da humanidade, é próxima de zero, para não dizer abaixo disso. E, no entanto, não preciso lembrar que um jovem discípulo de Hegel efetuou rasgados elogios à burguesia em um panfleto juvenil a quatro mãos, com seu amigo Engels: o Manifesto do Partido Comunista de 1848. Claro, o ódio à aristocracia era visível em muitas páginas, mas a burguesia era glorificada por vários feitos revolucionários do mais alto significado histórico, entre eles o de ter, supostamente, derrotado a primeira no curso de uma luta titânica, que levou, inclusive, à substituição do velho modo de produção “feudal”. Marx cometeu uma tremenda injustiça em relação à burguesia revolucionária, uma classe ainda ascendente em seu tempo. Nem menciono seus ataques à equivocadamente desprezada classe aristocrática, que, antes da burguesia, tinha preservado as luzes da civilização em face da barbárie inculta que se impunha à Europa, no rastro das invasões de povos nômades (visigodos, ostrogodos e outros godos). Marx, tão enfático ao condenar o despotismo asiático, falhou terrivelmente ao diminuir, de maneira genérica, os méritos humanistas de aristocratas e burgueses, os primeiros resistindo bravamente em face da ignorância tirânica dos velhos bárbaros, os segundos defendendo as liberdades democráticas nas cidades livres e desmantelando os regimes exclusivos das velhas corporações feudais.



Quanto aos revolucionários presumidos dos últimos 100 anos, não é preciso registrar os resultados regressistas dos assaltos obscurantistas dos novos bárbaros, as hostes de revolucionários profissionais de extração fascista ou bolchevique, que desmantelaram o que havia restado de humano e democrático em tempos anteriores a eles. Sim, porque o que assistimos na Europa, desde o início do século 20, não foi exatamente um “assalto ao céu” por parte de uma nova classe educada para promover o enriquecimento cultural da sociedade, e sim um rebaixamento cultural e intelectual efetivamente ocorrido durante a vigência dos totalitarismos nazi-fascistas e leninistas, responsáveis, ademais, por várias dezenas de milhões de mortos no auge de seus respectivos regimes (quem duvidar pode ler o livro de Anne Applebaum, sobre o Gulag, ou a descrição realista das horas mais sombrias da Europa, em Tony Judt). Pois bem, alguém me corrija se estou errado, mas acredito que não existem elogios diretos e declarados à burguesia e menos ainda à aristocracia, fora de livros de história que tentam recriar o velho mundo burguês, em grande medida identificado com a era vitoriana, como, por exemplo, na série de cinco livros de Peter Gay, enfeixados sob o título geral de “experiência burguesa” (1: The Education of the Senses; 2: The Tender Passion; 3: The Cultivation of Hatred; 4: The Naked Heart; 5: Pleasure Wars; ao que eu saiba, nenhum deles traduzido e publicado no Brasil). Existe também o livro do economista (aliás, da economista, posto que ele mudou de sexo) Deirdre McCloskey, The Bourgeois Virtues, mas não se trata exatamente de um elogio à burguesia enquanto classe “universal” – no sentido hegeliano da palavra – mas uma discussão essencialmente de história econômica e de história intelectual da formação da moderna sociedade capitalista na passagem do mercantilismo para o sistema fabril. De certa forma não deixa de ser um elogio à burguesia, mas vista apenas pelo seu lado empreendedor e inovador, e não exatamente como portadora de valores humanistas que aqui se procura destacar. Trata-se, basicamente, de uma defesa da economia de mercado, tal como encarnada na burguesia enquanto agente econômico, não de um elogio filosófico à burguesia, genericamente.Uma pesquisa sumária na literatura brasileira, publicada no Brasil, não registrou nenhum trabalho que pudesse ser aproximado, de perto ou de longe, com uma visão positiva da burguesia. Os mais amplamente utilizados em nossos meios universitários são o enviesado História da Riqueza do Homem, do marxista americano Leo Huberman, e o inacreditável Veias Abertas da América Latina, do perfeito idiota Eduardo Galeano, um jornalista mal informado que é recomendado por professores perfeitamente idiotas por não reconhecerem sua total má qualidade histórica. Não é preciso dizer que ambos exibem, a propósito da burguesia, uma visão tão risivelmente simplista que seria empobrecedor para este texto sequer pretender criticá-los.






MAS QUE DIABOS SÃO OS BURGOS E A BURGUESIA?



Burgo é uma divisão administrativa em vários países. Em princípio, o termo designa uma cidade murada autogovernada, embora, na prática, o uso oficial do termo varia amplamente. A palavra vem do latim burgus, que significa "pequena fortaleza, povoado" que, pelo germânico burgs, ficou cidadela fortificada.Em alemão a palavra Burg é associada a construções mais antigas e fortificadas, e a palavra Schloss é associada aos palácios e castelos construídos na Europa no final da Idade Média. Ela deriva do germânico comum *burgs, de significado forte: compare com bury (inglês, que nesta língua derivou também para os termos borough, brough, burgh), burgh (escocês), Burg (alemão), borg (escandinavo), burcht (holandês) e o empréstimo germânico presente em línguas indo-europeias vizinhas tal como borgo (italiano), bourg (francês), burgo (espanhol e português). A incidência destas palavras como sufixos de nomes de lugar (por exemplo, Cantuária (Canterbury), Estrasburgo, Luxemburgo, Edimburgo, Hamburgo, Gotemburgo, Joanesburgo), geralmente indica que eles eram assentamentos fortificados. (nada diferentes dos atuais condomínios lotados com nossos representantes da ESQUERDA CAVIAR).Os burgos surgiram na Baixa Idade Média, na época da decadência feudal e crescimento comercial e urbano.Os burgos desenvolveram-se pelo processo de troca de produtos entre um feudo e outro. Os produtores levavam seus produtos até o burgo (que ficava "dentro" de um feudo) e lá faziam uma espécie de feira trocando seus produtos por outros ou por dinheiro.Os habitantes dos burgos dedicavam-se ao comércio e à produção artesanal, que era realizada pelo mestre em sua oficina, e seus habitantes eram chamados de burgueses.


A Idade Média (476 a 1453) costuma ser conhecida como a época em que a economia europeia esteve praticamente estagnada. Essa afirmação é feita porque a maior parte da população vivia nos feudos, que eram grandes áreas cercadas e isoladas uma das outras, com uma economia quase auto-suficiente. Desse modo, costuma-se dizer que o comércio de produtos praticamente desapareceu no período medieval.No entanto, devemos relativizar essa ideia. Durante a Idade Média continuaram a existir profissionais como os artesãos (ferreiros e construtores de máquinas, por exemplo), comerciantes e negociantes. As pessoas não deixaram de adquirir certos equipamentos fundamentais à prática da agricultura (como enxadas e arados), que eram, portanto, fabricados e comercializados. Ainda que essas atividades de comércio tenham sido bastante restritas, numa Europa separada por feudos e ameaçada por guerras entre os povos do continente, isso não significa que elas tenham desaparecido.O período de auge do feudalismo foi o que se costuma chamar de Alta Idade Média (séculos 5 a 10). Mas, a partir do século 10, as coisas começaram a mudar. Diversos fatores ajudam a explicar por que a agricultura deixara de ser a principal atividade econômica, abrindo espaço para o chamado Renascimento comercial, que, a partir do século 11, inaugurou definitivamente a Baixa Idade Média, que se estenderia até o século 15.


A Europa vivia em meados do século 10 uma relativa época de paz, já que os ataques de um reino a outro haviam diminuído bastante. Essa queda no número de conflitos foi responsável por um considerável aumento populacional: em 300 anos a população da Europa cresceu de 8 milhões para 26 milhões de habitantes. Isso gerou um excedente populacional, que começou a necessitar de mais espaço e a expandir-se para fora dos feudos.Anteriormente, havia a população de comerciantes, negociantes e artesãos que, devido à sua prática profissional itinerante, começaram a se fixar no entorno dos feudos, constituindo, assim, as vilas e burgos. Dessa forma, aqueles que moravam nessas localidades eram conhecidos como burgueses e, ao longo dos séculos, essa denominação passou a denominar os comerciantes que se destacavam e tinham sucesso em seus negócios.Com o aumento demográfico na Europa, a população dos burgos foi crescendo também. Isso se dava porque muitos servos acabavam por fugir dos feudos para escapar das imposições da relação servil. Ou ainda, porque aqueles servos que mais causavam problemas aos seus senhores eram expulsos de suas terras, indo engrossar a população das vilas. Assim, essas pequenas localidades começaram a crescer e se tornar importantes concentrações de trabalhadores livres e comerciantes, onde passaram a ser organizadas feiras permanentes, o que resultou no surgimento de inúmeras cidades.



O renascimento das cidades e favorecimento da burguesia


Como anteriormente a maior parte da Europa era constituída por feudos, esse processo foi chamado de "Renascimento urbano", pois as cidades voltaram a se tornar importantes núcleos econômicos. Ao mesmo tempo, isso indicou também a decadência dos vínculos feudais, pois os moradores da cidade passaram a negociar com os senhores O fim do pagamento de tributos e serviços, através da compra da chamada carta de franquia. O aumento da liberdade política e econômica foi propiciando o aprimoramento do trabalho urbano. Os artesãos, que faziam os produtos consumidos pelos europeus, passaram a ser organizar em entidades para além de suas cidades. Para isso, formaram as guildas e as corporações de ofícios, que eram associações de trabalhadores de determinados profissões (O embrião dos primeiros Sindicatos).


CONCLUSÃO


Não há como recusar: tudo o que se pode visitar de notável, de rico e de culturalmente enriquecedor, atualmente, numa Europa largamente dedicada ao turismo de massa, foi obviamente construído como habitação exclusiva para nobres e burgueses, tais como: castelos, palácios, mansões, ou como lugares de culto abertos a todo o povo: igrejas e catedrais, eventualmente, também, como residências monacais, como abadias e mosteiros (estes bem mais rústicos). Tudo isso foi praticamente convertido, pela burguesia (que os conservou também), em museus e monumentos nacionais, grandiosidades abertas à visitação pública, ao custo de muito dinheiro público e privado (já que custa caro manter essas imponentes construções, algumas na origem da decadência econômica da aristocracia).




Supõe-se que, a menos que nossos pequenos burgueses acadêmicos prefiram visitar, turisticamente, tugúrios camponeses e cortiços operários, em países pobres, ou então participar, voluntariamente, do corte de cana em Cuba, nas épocas de safra, eles também apreciariam visitar o que de melhor a civilização ocidental criou em vários séculos de dominação das classes aristocráticas e burguesas.



Acredito que, no fundo, eles prefiram o desfrute desse tipo de requinte, mesmo com a prevenção ideológica e o desprezo ritual que eles devotam às “classes exploradoras”. Afinal de contas, não se pode culpá-los por desejar exibir solidariedade, mesmo falsa ou forçada, com as “classes trabalhadoras”, ao mesmo em que gozam, secretamente, de alguns prazeres burgueses, até mesmo aristocráticos, sem contudo, revelar o “pecado” aos companheiros de militância. A carne é fraca, sabemos disso.




Voltemos, entretanto, ao que pode motivar um “elogio à burguesia” num texto provocador como este. Deve-se, em primeiro lugar, agradecer à burguesia o fato de ter preservado tão bem o legado das antigas classes dominantes, em face de tantas batalhas, revoluções, guerras civis e outras turbulências políticas: castelos, armaduras, afrescos, tapetes, quadros, objetos que de outra forma poderiam ter sido perdidos ao longo dos séculos. Obras de arte de todo tipo, e qualquer quantidade de manifestações do espírito e do intelecto, que eles arrematavam, aos borbotões, numa Europa devastada por guerras e genocídios escabrosos.



Como é que nossos acadêmicos pequenos burgueses não podem achar geniais essas trouvailles da civilização burguesa, essas maravilhas do capitalismo, seja na preservação dos raros vestígios do passado, seja na reprodução perfeita dos originais praticamente destruídos ou inacessíveis? Como não apoiar essas demonstrações de prestígio da civilização burguesa? Numa dimensão digamos assim, mais acadêmica, como não elogiar esses mecenas saídos de uma modesta condição de origem para os pináculos da riqueza capitalista, que dotam suas universidades de formação com milhões de dólares, em troca, simplesmente, de um mármore no hall de salas de concerto, gravado para a eternidade com seus nomes? Como não admirar a multiplicação dessas oportunidades de também reproduzir o mesmo modelo de benfeitoria social através de bolsas concedidas a estudantes de extratos inferiores, que podem assim aceder às melhores universidades do país, que de outra forma estariam fora de suas possibilidades de estudo? Todas essas orquestras sinfônicas juvenis, espaços de preservação ambiental, museus com coleções magníficas, bibliotecas inteiras doadas a instituições de estudo e pesquisas, tudo isso é obra da burguesia, bem mais do que um Estado por vezes muito lento a se movimentar e bem mais pobre do que se pode imaginar (aliás, por definição, posto que todo o dinheiro “do” Estado vem do trabalho de burgueses e trabalhadores, será que nossos acadêmicos não sabem disso?).


Em face de todas essas contribuições ao enriquecimento intelectual das sociedades, parece risível o fato de nossas “elites” acadêmicas insistirem em recusar a “cultura burguesa”, promovendo, em seu lugar, manifestações de “cultura popular” que aparecem como artificialmente popularescas em sua demagogia simplória. No lugar de Bethoven, hip-hop, no lugar de Villa-Lobos, funk ou um batuque qualquer, em troca de Machado de Assis, sabe-se lá que cantor de rap ou “poeta popular”. Nunca o grotesco popular ocupou um lugar tão grande em nosso cenário cultural; jamais os acadêmicos foram tão omissos na defesa da produção intelectual de qualidade: tudo em nome do combate à sociedade burguesa, é verdade. De minha parte, não tenho hesitação em elevar um:

“Viva a burguesia!”


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