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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Colombiano Nicolás Gómez Dávila: Uma discreta inteligência a serviço da verdade



Nicolás Gómez Dávila foi um escritor e filosofo colombiano. Foi um dos críticos mais radicais da modernidade. Alcançou reconhecimento somente alguns anos antes de seu falecimento, graças a traduções alemãs de algumas de suas obras.Nascimento: 18 de maio de 1913, Bogotá, Colômbia.Falecimento: 17 de maio de 1994, Bogotá, Colômbia. Gómez Dávila passou a maior parte de sua vida entre seu círculo de amigos e os limites de sua biblioteca. Pertenceu à elite colombiana e se educou em Paris. Devido a uma severa pneumonia, passou cerca de dois anos em sua casa, onde seria educado por professores particulares e desenvolveria sua admiração pela literatura clássica. Entretanto, nunca frequentou uma universidade. Na década de 1930, retornou à Colômbia e nunca voltou a visitar a Europa, exceto por uma estada de seis meses com sua esposa em 1949. Reuniu uma biblioteca pessoal imensa que continha mais de 30.000 volumes (conservada atualmente pela Biblioteca Luis Ángel Arango de Bogotá) em torno dos quais centrou toda sua existência filosófica e literária. Em 1948 ajudou a fundar a Universidad de Los Andes em Bogotá.




Extraordinariamente erudito, profundo conhecedor de línguas clássicas, defendeu uma antropologia cética fundada no estudo profundo de Tucídides e Jacob Burckhardt. Considerava que as estruturas hierárquicas deviam ordenar a sociedade, a Igreja e o Estado. Igual a Donoso Cortés, Gómez Dávila cria que todos os erros políticos resultavam, em última instância, de erros teológicos. Esta foi a razão pela qual seu pensamento se descreve como uma forma de teologia política.Católico e de princípios profundos, sua obra é uma crítica aberta a certas expressões da “modernidade”, às ideologias marxistas e algumas manifestações da democracia e do liberalismo, pela decadência e corrupção que abrigam. Seus aforismos (que denominava escolios) estão carregados de uma ironia corrosiva, de inteligência, e de paradoxos profundos.



Livros: In margine a un testo implícito.

Formação Universitária: Universidade de Paris, Universidade de Los Andes.

Influências: Friedrich Nietzsche, Juan Donoso Cortés, Tucídides, Jacob Burckhardt


“Viver com lucidez uma vida simples, calada, discreta, entre livros inteligentes...”


Assim viveu Nicolas Gómez Dávila, como denunciam as suas próprias palavras, e assim permanece desconhecido em seu próprio país, e em muitas outras partes do mundo.Prova disso é que seu divulgador italiano mais destacado, Franco Volpi, ao tentar incluir um artigo sobre o filósofo colombiano numa enciclopédia filosófica da qual era editor (Grosses Werklexikon der Philosophie), encontrou a seguinte objeção: “Mas ninguém o conhece!” Só mais tarde ganhou ampla divulgação na Itália, seguindo o exemplo da Alemanha dos anos 80, quando era admirado e dado a conhecer por nomes como Ernst Jünger e Robert Spaemann.


No ano 2000, o editor da italiana Adelphi, depois de ler cem páginas de aforismos de Gómez Dávila, exclamou: “Isso é incrível! Temos de entrar em contato com os seus sucessores para comprar os direitos das obras!” E esse tipo de surpresa continua a ocorrer com certa freqüência.



Antes de apresentar a sua obra, e mostrar por que ele deveria ser conhecido no Brasil, falemos um pouco sobre a  vida do filósofo:



Nascido em Bogotá, Colômbia, em 1913, numa família privilegiada, aos seis anos mudou-se com os pais para Paris. Lá estudou em um colégio beneditino, mas, por conta de uma forte pneumonia, foi obrigado a ter aulas em casa por um longo período,. Retornou a Bogotá aos 23 anos de idade e casou-se com Emilia Nieto Ramos, com quem teve três filhos.


A partir de 1949, isolou-se na bela casa da família para se dedicar a uma vida de leitura e meditação. Por isso os seus aposentos preferidos eram os que abrigavam a volumosa biblioteca, que chegou a ter entre trinta e quarenta mil volumes, todos na língua original: alemão, inglês, italiano, grego, latim, espanhol, francês e português, idiomas que conhecia a fundo. Mais tarde chegaria a escrever: “Aquele que não aprendeu latim e grego, vive convencido, ainda que o negue, de ser apenas semi-culto”.



No ano de 1960, sofreu um acidente ao jogar pólo, o que limitou as suas possibilidades de locomoção e o obrigou a usar uma prótese ortopédica. O acidente apenas intensificou a sua situação de isolamento, o que não deixa de ser um paradoxo, dado que a casa estava localizada numa rua barulhenta e movimentada de Bogotá.



Entre as características que se foram intensificando estavam a sua disciplina e paciência diante de um trabalho intelectual pouco brilhante: leituras pausadas e a redação de um grande número de notas. Segundo o amigo Francisco Pizano, Gómez Dávila “seguia um método casual. Lia muito e não o fazia para se divertir, mas por verdadeiro amor ao texto. Por ocasião das leituras, tomava notas das suas reflexões em uns cadernos nos quais guardava milhares de aforismos que surgiam de certa iluminação que havia tido lendo Shakespeare ou algum poeta. Seus textos eram o resultado de um trabalho de purificação e condensação; eles nos eram dados a ler com enorme receio. Muitas vezes, quando criticávamos algum escrito, voltava depois com novas versões do mesmo aforismo para que escolhêssemos”.



A sua rotina incluía a recepção de uns poucos amigos para cálidas tertúlias, conversas entre vários, nas quais se falava de tudo, menos da “situação do país” e de trivialidades. A sua linguagem e estilo eram cheios de simplicidade e cuidado, o que, aliado ao conteúdo dos comentários, causava grandes ressonâncias nos seus contertulios. Entre eles contavam-se Mario Laserna e Francisco Pizano de Brigard, com os quais, entre outros,Gómez Dávila fundou a Universidad de los Andes, entre 1948 e 1949.



Mario Laserna testemunha que Gómez Dávila devotou a sua vida ao “cultivo da verdade, do bem e da beleza”.


Parecia pouco interessado em comunicar-se com a sociedade que o rodeava, e por isso dizia não ter nada em comum com os seus conterrâneos, com exceção do passaporte. Chegou mesmo a negar-se diversas vezes a tomar parte na vida pública, ora como Conselheiro de Estado, ora como embaixador em Londres. Isso não nos deve levar a pensar que a sua vida, que poderia ser facilmente tachada de “vida numa torre de marfim”, tenha sido inútil.Gómez Dávila era um raro integrante das “minorias ociosas” que prestam, com a sua existência e pensamento, um enorme serviço à civilização. E esta missão, tinha-a muito clara.




Da minha parte, tomei contato com a obra de Gómez Dávila em 2002. Passando os olhos pelos seus aforismos, quase aterrorizado pelo senso comum do autor e pela profunda “vida independente” que se desprendia deles, perguntei-me em primeiro lugar sobre o porquê de nunca ter ouvido falar desse homem.Em seguida, comecei a interrogar as pessoas com fama de erudição que conhecia. A resposta era sempre a mesma; no estilo americano, seria: “Who the hell is this guy? Never heard of ‘im”. (Quem diabos é esse cara? Nunca ouvi falar dele).Isso gerou em mim certa sensação de posse exclusiva, como se eu tivesse descoberto um continente, algo que experimentaram também, a seu tempo, Franco Volpi e Dietrich von Hildebrand com relação ao mesmo Gómez  Dávila.



Passei a ler regularmente os seus aforismos, encontrando neles, creio que o leitor terá uma sensação parecida, um eco de idéias que não tinha coragem de confessar a mim mesmo.



O pensamento de Gómez Dávila insere-se na tradição de Baltasar Gracián, Pascal, La Bruyère, Nietzsche e Cioran, para citar alguns nomes. Há um ódio implícito ao sistema e a toda espécie de arquitetura conceitual. Isso se deve, em parte, a uma visão de mundo que tem clara consciência das limitações da razão. Essa consciência, quer-me parecer, surge quando o escritor se depara com a complexidade do humano e não consegue achar outro modo de exprimir a realidade a não ser por breves sentenças, que se reportam mais a lampejos do entendimento ou a máximas de prudência incubadas na memória do que a silogismos.Nos Escolios não há um centro ordenador, não há divisão de assuntos, não há propriamente uma linha de raciocínio. São cintilações de um pensamento inquieto, desafiador, e simultaneamente experimentado, de “gato escaldado”. Isso resulta num texto abertamente fragmentário, mas agudo e polido, porque quem o produziu domina a língua como poucos.



Gómez Dávila, seja por humildade (leia-se “realismo”), seja por lealdade à sua visão de mundo, teve a ousadia de ser um mero comentador. Procedia como os glosadores de Bolonha (séc. XIII), que tinham diante de si o Corpus Juris Civilis, o corpo de Direito Romano da época de Justiniano, e se limitavam a escrever notas marginais para auxiliar os juristas a entender o sentido do texto.



E qual era esse “texto implícito” ao qual Nicolás Gómez Dávila apunha as suas notas?



O autor definiu-se a si mesmo como um “pagão que crê em Jesus Cristo”. Com isso, penso que queria dizer que tinha absorvido e adotado como própria toda a boa cultura grega, em especial Homero e os trágicos, e latina, assim como o universo inesgotável da Cristandade. Dizia que o bom leitor sabe ler livros de qualquer época como se tivessem sido escritos para si. Para leitores assim, não há anacronismo. Ele mesmo era um leitor desse porte, e, como Borges, reclamava da falta, não de escritores, mas de leitores de qualidade.




Poderíamos então indicar um núcleo para o seu pensamento?


Estranhei, e continuo a estranhar, o epíteto que o próprio Gómez Dávila havia aplicado a si: o de “reacionário”, como no caso do Nelson Rodrigues. “O homem inteligente chega rapidamente a conclusões reacionárias. Hoje, entretanto, o consenso universal dos tontos o acovarda. Quando o interrogam em público, nega ser galileu” .Não creio tenha sido feliz o uso dessa palavra, “reacionário”.Isso coloca o leitor, já de início, em atitude de desconfiança: as conotações negativas que a palavra sempre teve provocam nele uma reação quase involuntária, como a de quem ouve um palavrão.O fato é que não devemos preocupar-nos muito com o que pretenda dizer com “reacionário”. Gómez Dávila é Gómez  Dávila. Deixemos o seu pensamento emergir sem rótulos e pré julgamentos precipitados.Em todo o caso, não que exista qualquer conotação política no uso que faz dessa palavra: o autor sempre se recusou, como vimos, a aceitar cargos políticos ou diplomáticos, e tinha horror aos partidarismos. Penso que, para ele, “reacionário” era um homem que, vendo ruir o mundo ao seu redor, mantinha-se firmemente enraizado nos valores perenes.Explico-me: Os valores, para quem entende que há um fundamento metafísico para o mundo, não são fixações culturais, justificações de um estado de coisas ou tesouros de uma civilização perdida. A ética clássica, por exemplo, pretende-se universal, em essência independente da cultura que lhe dá forma, embora não existam, na visão aristotélica, “valores em si”, totalmente descolados de uma manifestação cultural.


“Existem valores que nascem na história, mas são imortais” (pág. 219); “não pertenço a um mundo que perece. Prolongo e transmito uma verdade que não morre” (pág. 269). Por isso é possível dizer que Gómez Dávila representa, como ninguém, a perenidade e a “capacidade de consolação” bem fundada do pensamento ocidental, mas com uma autoconsciência tipicamente moderna na sua forma.



Pretendo comentar, na seqüência, apenas para abrir o apetite delicado do leitor, duas idéias que, não sendo certamente as mais importantes na sua obra, permitem ver até onde vai a sensibilidade do nosso autor: o tema do sexo e o do sentido de mistério:



“A castidade, passada a juventude, mais que da ética, faz parte do bom gosto” (pág. 172), diz Gómez Dávila, chocando já de entrada o leitor com um termo “medieval”. Não nos parece estranho que esse bom gosto, que era o tom implícito das sociedades ocidentais, tenha morrido há tão pouco tempo, nos anos 60, e que agora a propaganda em favor do seu oposto tenha prevalecido como uma obviedade inquestionável? Será que a humanidade se iluminou, finalmente, e se livrou, sem abertura para a discussão, de um valor que sempre se julgou perene? Não para o nosso autor; para ele, “o erotismo é o recurso raivoso das almas e dos tempos que agonizam” (pág. 244).



Gómez Dávila preocupa-se com essas “ninharias” que mantêm o homem na posse de si mesmo, que o libertam da escravidão dos caprichos. Nunca foi um moralista, e menos ainda um puritano; bem ao contrário. Vejamos o que diz em outro lugar:


“Nada mais repugnante do que aquilo a que o tonto chama ‘uma atividade sexual harmoniosa e equilibrada’. A sexualidade higiênica e metódica é a única perversão que execram tanto os demônios como os anjos”. E em outro: “Um corpo nu resolve todos os problemas do universo” (pág. 57). E mais um: “O que afasta de Deus não é a sensualidade, mas a abstração” (pág. 73).



Ele sabia que o sexo é amoral, belo, bom e útil à perpetruação da espécie(afinal, nem eu nem você, leitor, estaríamos aqui não fosse por ele); basta que ele seja visto dentro do seu contexto. A falta de pudor, por exemplo, desloca o olhar-para-a-pessoa para um olhar que se concentra apenas no que o seu corpo nos pode oferecer. Assim dirá: “Amor é o ato que transforma o seu objeto, de coisa, em pessoa” (pág. 67), ou, num aforismo mais provocador: “o amor é essencialmente adesão do espírito a um outro corpo nu” (pág. 78).



Em Gómez Dávila, o homem é uma unidade, com seus sentimentos mais nobres, a sua inteligência, os seus desejos e instintos, também nobres na sua ordem. Mas “o sexo não resolve nem os problemas sexuais” (pág. 58). O puritano vê no corpo algo mau, diabólico, e se afasta dele; o admirador da pornografia pensa o mesmo, embora o exalte. Ambos caem no mesmo erro ao dividir o homem: reduzem-no a apenas um dos seus aspectos indissociáveis, corpo e espírito, e tiram-no de contexto, o primeiro para fugir de um demônio, o segundo para abraçá-lo como quem faz algo contra as normas, mas apenas para assumir uma nova norma, surgida da revolta. “O tolo não se contenta em violar uma regra ética: pretende que a sua transgressão se converta numa regra nova” (pág. 67). “Entre a anarquia dos instintos e a tirania da ordem, estende-se o fugitivo e puro território da perfeição humana” (pág. 54), acrescentará com rara sutileza.



O pensamento de Nicolás Gómez Dávila flerta o tempo todo com o mistério:



Estamos acostumados à idéia de que o homem que se julga independente, o livre-pensador, está “por dentro do negócio” (entendido), mas sabemos igualmente que ele nunca faz as verdadeiras perguntas. Se fosse esperto, teria caído na conta de que estamos envoltos em uma grande charada. A ciência, ao invés de responder a essas perguntas, sobre a origem do homem e do universo, por exemplo, cada vez torna o assunto mais misterioso, ou melhor, mais confuso. Só não o sabe quem nunca leu nada sobre física das partículas.Por isso escreveu que “tudo o que faça o homem sentir que está envolvido em mistério o torna mais inteligente” (pág. 180). Essa coragem de “afirmar o mistério” coloca Gómez Dávila ao lado dos grandes homens, como Virgílio, Dante, Shakespeare e Pascal.



A cultura da vulgaridade, do banal, mesmo sob o disfarce da última moda intelectual, esconde uma enorme incapacidade de pensar com audácia. Afirmar o mistério é reconhecer a própria miséria e comprometer-se a aceitar aquilo que não se pode dominar. “Os problemas metafísicos”, escrevia Nicolás nos seus comentários, “não inquietam o homem para que os resolva, mas para que os viva” (pág. 291).Parte do “problema moderno” é essa revolta diante de uma realidade que não se deixa aprisionar por um sistema de pensamento. Gómez Dávila é um excelente antídoto contra esse paradoxal conformismo moderno.






Deixamos com nossos leitores uma pequena seleção dos seus aforismos, traduzidas livremente pelo autor deste artigo, retirados da sua obra mais conhecida, Escolios a Un Texto Implícito:


Anarquia

•A anarquia que ameaça uma sociedade que se envilece não é seu castigo, senão seu remédio.
•Ordem é o que resulta espontaneamente de uma norma. Não o que umas regras impõem.
•De seu crescente cativeiro só resgatarão a humanidade vários séculos de anarquia.
•Nenhuma classe social explorou mais descaradamente as outras que a que hoje chama a si mesma “Estado”.



Arte

•Uma vocação genuína leva o escritor a escrever só para si mesmo: primeiro por orgulho, depois por humildade.
•A originalidade não é algo que se busca, senão algo que se encontra.
•A mais grave acusação contra o mundo moderno é sua arquitetura.


Conservadorismo

•A medida que o Estado cresce o indivíduo diminui.
•Os parlamentos, no Estado moderno, são resquícios feudais que tendem a desaparecer.
•Onde se pense que o legislador não é onipotente, a herança medieval subsiste.
•A política sábia é a arte de vigorizar a sociedade e de debilitar o Estado
•A regra de ouro na política está em não realizar senão mudanças mínimas e fazê-las com a maior lentidão possível
•A maioria das tarefas que o governante típico deste século se crê obrigado a assumir não são mais que abusos de poder.
•Sendo a arte do possível, a política carece de interesse em certas épocas.
•A ciência política é a arte de dosar a quantidade de liberdade que o homem suporta e a quantidade de servidão que necessita.
•As sociedades não são nem mecanismos, nem organismos, mas estruturas. Podemos, portanto, sustentar a priori que o número de formas sociais corretas é inferior ao de combinações possíveis.
•A falta de imaginação pode preservar um povo de muitas catástrofes.
•Os conservadores atuais não são mais que liberais maltratados pela democracia.
•Para que a sociedade floresça se requer um Estado fraco e um governo forte.



Comunismo, Marxismo e Socialismo

•Chama-se comunista quem luta para que o Estado lhe assegure uma existência burguesa.
•O comunista odeia o capitalismo com o complexo de Édipo. O reacionário apenas o vê com xenofobia.
•O leitor contemporâneo ri quando o cronista medieval fala de “paladinos romanos”, mas fica sério quando o marxista disserta sobre a “burguesia grega” ou o “feudalismo americano”.
•A propaganda, na Rússia como na China, seleciona tão intencionalmente os argumentos grosseiros e as falsificações óbvias que é necessário atribuir o triunfo do comunismo ao desdém com que trata a inteligência das multidões.
•O socialismo deste século não herdou da sociedade burguesa que sepulta senão as deformidades denunciadas pelo socialismo do século passado.
•O estado socialista cura o proletariado da febre que a doutrina socialista lhe inocula.
•Um “socialismo com cara humana” é uma aguardente sem álcool.
•“Social” é o adjetivo que serve de pretexto a todos os engodos.
•O socialismo é reflexo enantiomorfo da sociedade medieval. Como as hierarquias infernais das hierarquias angélicas.
•No lugar do patriarcado, o socialismo patrocina a disciplina dos orfanatos.
•Na estepe rasa o indivíduo não acha abrigo contra a inclemência da natureza, nem na sociedade igualitária contra a inclemência do homem.
•Para desacreditar os burgueses, Marx, simpaticamente, coloca a serviço do proletariado a noção de “classe social sem interesses particulares” que Voltaire inventou em proveito da burguesia.
•A verdadeira eloquência estremece o auditório mas não o convence.


Direito

•A plétora de leis é indício de que ninguém mais sabe mandar com inteligência. Ou de que ninguém mais sabe obedecer com liberdade.
•As sociedades moribundas acumulam leis como os moribundos acumulam remédios.
•Não legislemos para a humanidade. Nem em público, nem em privado.
•Sem propriedade “injusta” amparada por uma legislação “classista”, ninguém escapa à necessidade de viver em postura servil.
•O ato de despojar de seus bens a um indivíduo se chama roubo, quando outro indivíduo o despoja. E justiça social, quando uma coletividade inteira o rouba.
•“Justiça social” é o termo para exigir qualquer coisa que não tenhamos direito.


Espiritualidade, Religião e Deus

•O importante não é simplesmente crer em Deus, mas que Deus exista.
•Limitemos nossa ambição a praticar contra o mundo moderno uma metódica sabotagem espiritual.
•Nos séculos espiritualmente desérticos, só se dá conta de que o século está morrendo de sede o que ainda capta águas subterrâneas.
•Não pertenço a um mundo que perece. Prolongo e transmito uma verdade que não morre.
•Abundam os que se creem inimigos de Deus e só alcançam ser inimigos do sacristão.
•Religião e ciência não devem firmar pactos de limites, senão tratados de desconhecimento mútuo.
•A Igreja deve intervir na política. Mas sem programa político.
•O inferno é o lugar onde o ser humano encontra realizados todos os seus objetivos mais egoístas.




Esquerda

•As revoluções da esquerda só mudam a ordem dos naipes. A Revolução é inútil enquanto não se inventem baralhos novos com novos naipes.
•As idéias de esquerda engendram as revoluções, as revoluções engendram as idéias de direita.
•O esquerdista inteligente admite que sua geração não construirá a sociedade perfeita, mas confia em uma geração futura. Sua inteligência descobre sua impotência pessoal, mas seu esquerdismo lhe impede descobrir a impotência do homem.
•A esquerda finge que o culpado do conflito não é o que inveja os bens alheios, mas o que defende os próprios.
•Pedir ao Estado o que só a sociedade deve fazer é o erro da esquerda.
•A falsificação do passado é a maneira como a esquerda tem pretendido elaborar o futuro.
•A imprensa de esquerda fabrica para a esquerda os grandes homens que a natureza e a história não lhe fabricaram.
•Erudição e experiência são os adversários invencíveis da esquerda.
•Os outros me devem o que me prometeram, não o que opino que devam prometer-me. Sobre o cadáver desta obviedade, imolada como vítima sacrificial aos deuses infernais, se levantam os cimentos do pensamento de esquerda.
•O intelectual de esquerda não ataca com intrepidez nem arrogância senão as idéias que acredita estarem mortas.
•O mau humor é secreção específica do intelecto de esquerda.
•A esquerda atual corteja a revolução como um cinquentão caquético a uma secretária.
•A nova esquerda congrega os que confessam a ineficácia do remédio sem deixar de crer na receita.
•Sem mãos sujas, para o esquerdista não há consciência limpa.
•Na “nova esquerda” se recrutará a infantaria da reação.
•O esquerdismo não é ideologia de uma determinada condição social, senão uma definível deformação mental.
•Existem hoje duas classes de movimentos subversivos: os que um grupo de especialistas metodicamente promove e os que unanime e espontaneamente estouram. Os primeiros são conspirações de esquerda, os segundos insurreições contra a esquerda.
•O entusiasmo, nos regimes de esquerda, é um produto sintético elaborado pela polícia.
•Para escandalizar o esquerdista basta dizer a verdade.
•O esquerdista evita com tato milagro pisar os calos do poderoso autêntico. O esquerdista só vilipendia os simulacros de poder.

Filosofia

•A dialética é a simulação de um diálogo dentro de um solilóquio.
•Toda proposição universal é falsa. Menos esta.
•Nunca é tarde demais para nada verdadeiramente importante.
•O relativista dificilmente relativiza a si mesmo.
•O relativismo é a solução do que é incapaz de por as coisas em ordem.
•As verdades não são relativas. O relativo são as opiniões sobre a verdade.
•Quem se empenha em refutar argumentos imbecis acaba fazendo-o com raciocínios estúpidos.


Liberalismo


•Existem duas interpretações do voto popular: uma democrática, outra liberal. Segundo a interpretação democrática é verdade o que a maioria resolve; segundo a interpretação liberal a maioria meramente escolhe uma opinião. Interpretação dogmática e absolutista uma; interpretação cética e discreta, a outra.
•A discussão do reacionário com o democrata é estéril porque nada têm em comum; por outro lado, a discussão com o liberal pode ser fértil porque compartilham vários postulados.
•A separação dos poderes é a condição da liberdade.
•Na sociedade moderna, o capitalismo é a única barreira ao espontâneo totalitarismo do sistema industrial.


Mundo moderno e Estado moderno

•No Estado moderno as classes com interesses opostos não são tanto a burguesia e o proletariado como a classe que paga impostos e a classe que deles vive.
•É difícil simpatizar com o clero moderno desde que se tornou anticlerical.
•Ideário do homem moderno: comprar o maior número de objetos; fazer o maior número de viagens; copular o maior número de vezes.
•Os Evangelhos e o Manifesto comunista palidecem; o futuro do mundo está em poder da coca-cola e da pornografia.
•O Estado moderno realizará sua essência quando a polícia, como Deus, presencie todos os atos do homem
•A nova estupidez permite a cada época debochar das estupidezes precedentes.
•O Estado moderno fabrica as opiniões que recolhe depois respeitosamente, com o nome de opinião pública.

Outros

•Respeitar a nossos superiores é antes de mais nada uma prova de bom gosto.
•Com bom humor e pessimismo não é possível nem errar nem entediar-se.


Pobreza e Riqueza


•Entre ricos e pobres hoje, só diferencia o dinheiro.
•Já não há classe alta, nem povo; só há plebe pobre e plebe rica.
•O amor à pobreza é cristão, mas a adulação ao pobre é mera técnica de recrutamento eleitoral.
•Os pobres, na verdade, odeiam apenas a riqueza estúpida.
•Só escapam da veneração ao dinheiro os que escolhem livremente a pobreza, ou os que herdam sua fortuna.
•O político democrata se vende sempre. Aos ricos, à vista. Aos pobres, à prazo.
•Quando os exploradores desaparecem, os explorados se dividem em exploradores e explorados.


 Povo e Democracia

•Em tempos aristocráticos o que tem valor não tem preço; em tempos democráticos o que não tem preço não tem valor.
•O povo não se rebela nunca contra o despotismo senão contra a má alimentação.
•O problema da educação dos educadores é problema que o democrata esquece em seu entusiasmo pela educação dos educandos.
•O povo reivindica a liberdade de ser seu próprio tirano
•Soberania do povo não significa consenso popular, senão atropelo por uma maioria.
•Os pecados que escandalizam o público são menos graves que os que ele tolera.
•Ao democrata não basta que respeitemos o que quer fazer com sua vida, exige também que respeitemos o que quer fazer com a nossa.
•Um democrata se indigna que suas vítimas se indignem.
•A porcentagem de eleitores que se abstém de votar mede o grau de liberdade concreta em uma democracia. Onde a liberdade é fictícia, ou onde está ameaçada, a porcentagem tende a zero.
•Os tribunais democráticos não fazem tremer os que são realmente  culpados, mas os que são acusados.
•“Justiça popular” é eufemismo para degola.
•Os partidos políticos não disputam hoje pelos programas. Ao contrário, disputam os programas.



Progressismo


•O progressista crê que tudo logo se torna obsoleto e ultrapassado,exceto suas idéias.
•O “sentido da história” seria insignificante, se nossa inteligência conseguisse entendê-lo.
•O progressista se irrita, quando velho, ao ver que a história arquiva o que chamou de progresso quando jovem.
•O homem é um animal educável, desde que não caia em mãos de pedagogos progressistas, que são capazes de levar do nada ao coisa alguma.
•Quando se diz que pertence a seu tempo só se está dizendo que coincide com o maior número de idiotas do momento.
•Ninguém pode escapar de sua época, mas com um pouco de tato pode eludir suas trivialidades.
•Nada mais perigoso que resolver problemas transitórios com soluções progressistas experimentais e não permanentes, já testadas com sucesso na história, querendo reinventar a roda.
•Anacronismo, é quando os preconceitos de outras épocas nos são incompreensíveis quando os nossos nos cegam.
•O progresso é filho do conhecimento da natureza. A fé cega no progresso é filha da ignorância da história.
•O clero progressista não decepciona nunca o aficionado ao ridículo.
•O raciocínio cardeal do progressista é belíssimo: o melhor sempre triunfa, porque se chama melhor ao que triunfa independente dos resultados.
•O clérigo progressista, em tempos revolucionários, acaba morto, mas não como mártir.
•Achar que saber quais são as reformas progressistas que o mundo necessita é o único sintoma inequívoco de estupidez.



Reacionários


•A reação explícita começa no final do século XVIII; mas a reação implícita começa com a expulsão do diabo do paraíso para a terra.
•Nós reacionários concedemos aos tolos o prazer de sentir-se como atrevidos pensadores de vanguarda.
•Os textos reacionários parecem obsoletos aos contemporâneos e de uma atualidade surpreendente à posteridade. O maior exemplo é a bíblia.
•Ao democrata, para refutar os argumentos do reacionário, só lhe ocorre dizer que são argumentos de reacionário.
•O socialista não entende que os que prevêm o triunfo do socialismo são reacionários. Quando precisamente o são, justamente porque o prevêm.
•Só um talento evidente faz com que perdoem as idéias de um reacionário, enquanto que as idéias do esquerdista fazem com que o perdoem por sua falta de talento.
•O reacionário não se torna conservador senão nas épocas que guardam algo digno de ser conservado.
•Tratar o inferior com respeito e carinho é a síndrome clássica da psicose reacionária.
•Não é uma restauração o que o reacionário espera, senão um novo milagre.
•O pensamento reacionário não é reação de medo, é reação ante o crime.
•Os reacionários se recrutam entre os espectadores de primeira fila de uma revolução.
•A emigração é o último recurso do reacionário. O último recurso do democrata é o terror.
•O reacionário não condena a mentalidade burguesa, senão seu predomínio. O que nós reacionários deploramos é a absorção da aristocracia e do povo pela burguesia.
•Ao esquerdista que proteste igualmente contra crimes de direita ou de esquerda, seus camaradas, com razão, lhe dizem reacionário.



Revolução

•As revoluções socialistas não são filhas de pobres e iletrados, senão de ricos e intelectuais.
•A justiça imanente postula que só um revolucionário fuzile a outro.
•As burocracias não sucedem casualmente as revoluções. As revoluções são os partos sangrentos das burocracias.
•A agitação revolucionária é endemia urbana e só epidemia camponesa.
•A história tem provado que toda revolução agrava os males contra os quais luta.
•A estupidez cega e fanática é o combustível da revolução.
•O revolucionário é, depois de tudo, um indivíduo que não se atreve a roubar sozinho.
•A rebelião é reação contra uma condição intolerável; a revolução é técnica de um projeto burguês.
•A falta de vergonha com que o revolucionário mata espanta mais que suas matanças.
•A revolução absoluta é o tema predileto dos que nem sequer se atrevem a protestar quando os pisam.
•As revoluções tem por função destruir as ilusões que as causam.
•A estupidez é a mãe das atrocidades revolucionárias. A ferocidade é só a madrinha.


Sabedoria, Inteligência e Maturidade



•A sabedoria consiste em resignar-se ao único possível sem proclamá-lo o único necessário.
•Ser jovem é temer que nos creiam estúpidos; amadurecer é temer sê-lo.
•Amadurecer não consiste em renunciar a nossos desejos, senão em admitir que o mundo não está obrigado a realizá-los.
•Quem tenha curiosidade de medir sua estupidez, que conte o número de coisas que lhe parecem óbvias.
•Exigir à inteligência que se abstenha de julgar lhe mutila sua faculdade de compreender.
•A maturidade do espírito começa quando deixamos de sentir-nos encarregados do mundo.


Totalitarismo


•O Estado é totalitário por essência. O despotismo total é a forma à qual espontaneamente tende.
•Totalitarismo é a fusão sinistra de religião e estado.
•A unanimidade, em uma sociedade sem classes, não resulta da ausência de classes, mas de presença da policialesca.


*Júlio Lemos é escritor e doutorando pela Faculdade de Direito da USP.


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