GRIFO DO AUTOR DO BLOG BERAKASH: “Ora, alguns Teólogos da Libertação e
militantes Progressistas ferrenhos e fanáticos, defendem a análise e práxis
Marxista, para a solução dos conflitos sociais, em detrimento da Doutrina
Social da Igreja, e do próprio depósito da fé. É necessário alguns esclarecimentos
neste sentido, pois ao dizerem que a Igreja adotou também o Platonismo e
Aristotelismo para justificar o Marxismo, desviam o essencial (a salvação)
daquilo que é assessório, ou acidental (libertação meramente social)...” – Prof.
Olavo de Carvalho
COMO SE DEU ESTA "INFILTRAÇÃO SUTILOSA E
TRAIÇOEIRA” NA TEOLOGIA CATÓLICA PRINCIPALMENTE NA PRAXIS LATINO AMERICANA?
“A religião pode tornar suportável [...] a
infeliz consciência de servidão […] de igual forma o ópio é de boa ajuda em
angustiosas doenças” (citado em Gollwitzer, 1962: 15-16)A expressão apareceu pouco
depois no artigo de Marx Sobre a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel
(1844). Uma leitura atenta do parágrafo marxista onde aparece esta frase,
revela que é mais complexo que usualmente se acredita.Embora
obviamente crítico da religião, Marx leva em conta o caráter dual do fenômeno e
expressa:“A
angústia religiosa é ao mesmo tempo a expressão da dor real e o protesto contra
ela. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem
coração, tal como o é o espírito de uma situação sem espírito. É o ópio do
povo” (Marx, 1969a: 304).Se nos pusermos a ler o ensaio
completo, aparece claramente que o ponto de vista de Marx é devedor mais da postura
de esquerda neo-hegeliana, que via a religião como a alienação da essência humana,
que da filosofia da Ilustração,que simplesmente a denunciava como uma
conspiração clerical.De
fato, quando Marx escreveu a passagem mencionada era ainda um discípulo de
Feuerbach, e um neo-hegeliano!Sua análise da religião era,
por conseguinte, “pré-marxista”, sem referência a classes e a-histórico. Mas
tinha uma qualidade dialética, cobiçando o caráter contraditório da “angústia”
religiosa: ambas uma legitimação de condições existentes e um protesto contra
estas.Foi
só depois, particularmente em A Ideologia Alemã (1846), que o
característico estudo marxista da religião como uma realidade social e
histórica começou.O elemento chave deste novo método
para a análise da religião é aproximar-se dela como uma das diversas formas de
ideologia, ou seja, da produção espiritual de um povo, da produção de idéias,
representações e consciência, necessariamente condicionadas pela produção
material e as correspondentes relações sociais.Embora ele esteja acostumado a
utilizar o conceito de “reflexo” o qual conduzirá a várias gerações de
marxistas para um beco sem saída– a idéia chave do livro é a necessidade de
explicar a gênese e desenvolvimento das distintas formas de consciência
(religiosa, ética, filosófica, etc.) pelas relações sociais, “o que significa,
é obvio, que a questão pode ser representada em sua totalidade” (Marx, 1969b:
154, 164).Uma escola “dissidente” da
sociologia da cultura marxista (Lukács, Goldmann) estará a favor do conceito
dialético de totalidade em lugar da teoria do reflexo.Logo depois de
escrever com Engels A Ideologia Alemã, Marx prestou pouca atenção à
questão da religião como tal, ou seja, como um universo específico de
significados culturais e ideológicos. Podemos encontrar, entretanto, no
primeiro volume de O Capital.
Algumas
observações metodológicas interessantes:
Por exemplo, a bem conhecida
nota de rodapé em que responde ao argumento sobre a importância da política na
Antigüidade e da religião na Idade Média, revela uma concepção ampla da
interpretação materialista da história: “Nem a Idade Média pôde viver do Catolicismo
nem a Antigüidade da política. As respectivas condições econômicas explicam, de
fato, por que o Catolicismo lá e a política aqui desempenham o papel dominante”
(Marx, 1968: 96, Tomo I). Marx nunca se tomaria a moléstia de defender as
razões econômicas acima da importância da religião na Idade Média, mas esta
passagem é importante porque reconhece que, sob certas condições históricas, a
religião pode de fato desempenhar um papel dominante na vida de uma
sociedade.Apesar de seu pouco interesse
pela religião, Marx prestou atenção à relação entre protestantismo e
capitalismo. Diversas
passagens de O Capital fazem referência à contribuição do protestantismo à acumulação
primitiva de capital, por exemplo, por meio do estimulo à expropriação de
propriedades da Igreja e campos comunais.Nos Grundrisse,
formulada meio século antes do famoso ensaio de Max Weber,o seguinte comentário
significativo e revelador sobre a íntima associação entre protestantismo e
capitalismo:“O culto
do dinheiro tem seu ascetismo, seu auto-abnegação, seu auto-sacrifício,a
economia e a frugalidade, desprezo pelo mundano, prazeres temporários, efêmeros
e fugazes; o correr atrás do eterno tesouro. Daqui a conexão entre o
Puritanismo inglês ou o Protestantismo holandês e o fazer dinheiro” (Marx,
1968: 749-750, Tomo I; 1973: 232; 1960a: 143).A semelhança,não a identidade,com
a tese do Weber é surpreendente, mais ainda uma vez que o autor da Ética
Protestante não pôde ter lido esta passagem (os Grundrisse foram
publicados pela primeira vez em 1940).Por outro lado, Marx se refere
cada tanto ao capitalismo como uma “religião da vida diária” apoiada no
fetichismo das mercadorias. Descreve o capitalismo como “um Moloch que exige o
mundo inteiro como um sacrifício devido”, e o progresso do capitalismo como um
“monstruoso Deus pagão, que só queria beber néctar na caveira da morte”. Sua
crítica à economia política está salpicada de freqüentes referências à
idolatria: Baal, Moloch, Mammon, Bezerro de Ouro e, é obvio, o conceito de
“fetichismo” por si mesmo. Mas esta linguagem tem mais um significado
metafórico que substancial (em termos da sociologia da religião) (Marx, 1960b:
226, Vol. 9 e 488, Vol. 26.Interessante que alguns teólogos da liberação
(por exemplo, Enrique Dussel e Hugo Assmann) farão extensivo o uso destas
referências a sua definição de capitalismo como idolatria.Friedrich
Engels apresentou (provavelmente por sua educação pietista) um interesse muito
maior que o de Marx pelo fenômeno religioso e seu papel histórico!A contribuição principal de
Engels ao estudo marxista da religião é sua análise da relação de
representações religiosas com as lutas de classes. Além da polêmica filosófica
de “materialismo contra idealismo”, ele estava interessado em entender e
explicar formas históricas e sociais concretas de religião.A cristandade não apareceu
(como em Feuerbach) como uma “essência” atemporal, mas sim como um sistema
cultural experimentando transformações em diferentes períodos históricos.
Primeiro a cristandade foi uma religião dos escravos, depois a ideologia
estatal do Império Romano, depois vestimenta da hierarquia feudal e finalmente
se adapta à sociedade burguesa. Assim aparece como um espaço simbólico no que
se enfrentam forças sociais antagônicas –por exemplo no século XVI: a teologia
feudal, o protestantismo burguês e os plebeus hereges.Ocasionalmente, sua análise
tropeça em um utilitarismo estreito, interpretação instrumental de movimentos
religiosos. Em Ludwing Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã
escreve: “cada uma das distintas classes usa sua própria religião apropriada
[...] e faz pouca diferença se estes cavalheiros acreditarem em suas
respectivas religiões ou não” (Engels, 1969a: 281).Sendo materialista, ateu e um irreconciliável
inimigo da religião, Engels compreendeu, como o jovem Marx, o caráter dual do
fenômeno: seu papel na legitimação da ordem existente, mas, além disso, de
acordo a circunstâncias sociais, seu papel crítico, de protesto e até
revolucionário.Segundo Engels, o paralelismo
entre socialismo e cristandade precoce está presente em todos os movimentos que
sonham, desde todos os tempos, restaurar a primitiva religião cristã dos tabories de John Zizka (“de gloriosa
memória”) e dos anabatistas de Thomas Münzer até (logo depois de 1830) os
comunistas revolucionários franceses e os partidários do comunista utópico
alemão Wilhelm Weitling.Entretanto, e conforme deixa
referência constante em suas Contribuições à história da cristandade
primitiva, Engels acredita que se mantém uma diferença essencial entre os
dois movimentos: os cristãos primitivos escolheram deixar sua liberação para
depois desta vida enquanto que o socialismo localiza sua emancipação no futuro
próximo deste mundo (Engels, 1960: cap. 25).Engels reconhece que a luta
entre materialismo e religião não necessariamente corresponde à guerra entre
revolução e contra-revolução, progresso e regressão, liberdade e despotismo,
classes oprimidas e dominantes. Neste preciso caso, a relação é exatamente a
oposta: religião revolucionária contra materialismo absolutista.Engels estava convencido que da Revolução
Francesa, a religião não podia funcionar mais como uma ideologia
revolucionária, e se surpreendeu quando comunistas franceses e alemães, tais
como Cabet ou Weitling,proclamariam que “cristandade é comunismo”.Este desacordo sobre a religião
foi uma das principais razões da não participação de comunistas franceses no Anuário
Franco-Alemão em 1844 e da ruptura de Marx e Engels com Weitling
em 1846.
A maioria dos estudos realizados sobre religião no século XX se
limitam a comentar, desenvolver ou aplicar as idéias esboçadas por Marx e
Engels!
Tais foram os casos, por
exemplo, dos ensaios de Karl Kautsky sobre o utopista Tomas More ou sobre
Thomas Münzer. Kautsky considerava todas estas correntes religiosas como
movimentos “precursores do socialismo moderno”, cujo objetivo era um estilo de
comunismo distributivo oposto ao comunismo produtivo do movimento operário
moderno. Enquanto Kautsky nos fornece
interessantes revelações e detalhes a respeito das bases sociais e econômicas
destes movimentos e suas aspirações comunistas, usualmente reduz suas crenças
religiosas a um simples “pacote” ou “roupagem” que “oculta e dissimula” seu
conteúdo social.As manifestações místicas e
apocalípticas das heresias medievais são, a partir de seu ponto de vista,
expressões de desespero, resultantes da impossibilidade de consumar seus ideais
comunistas (Kautsky, 1913: 170, 198, 200-202).Em seu livro a respeito da
Reforma alemã, não perde tempo com a dimensão religiosa da luta entre
católicos, luteranos e anabatistas: desprezando o que ele chama a “disputa
teológica” entre estes movimentos religiosos.Kautsky concebe como única tarefa do historiador
“remontar as lutas desses tempos à contradição de interesses materiais”. Neste
sentido, as 95 Teses de Lutero,
segundo Kautsky, não refletiram tanto um conflito sobre o dogma, como um
conflito em torno de temas econômicos: o dinheiro que Roma extraía da Alemanha
sob a forma de impostos eclesiásticos (Kautsky, 1921: 3,5).Seu
livro sobre Tomas More é mais original:Oferece uma imagem candente e
idílica do cristianismo popular medieval, como uma jubilosa e alegre religião,
cheia de vitalidade e belas celebrações e festas. O autor de Utopia, Tomas
More, é apresentado como o último representante deste catolicismo popular,
velho e feudal ,completamente diferente do jesuítico moderno.Segundo Kautsky, More escolheu como religião o
catolicismo em lugar do protestantismo porque estava contra a brutal
proletarização do grupo de camponeses resultante da destruição da Igreja
tradicional e da expropriação de terras comunitárias pela Reforma Protestante
na Inglaterra.O próprio Lênin que
seguidamente denunciou a religião como uma “névoa mística” insistiu em seu
artigo “Socialismo e religião” (1905) que o ateísmo não deveria ser
parte do programa do Partido porque a “unidade na real luta revolucionária das
classes oprimidas por um paraíso na terra é mais importante que a unidade na
opinião proletária sobre o paraíso no céu” (Lênin, 1972: 86, Vol. 10).Desde que os socialistas lutam
por uma ordem social de igualdade, liberdade e fraternidade, os padres, se
honestamente queriam implementar na vida da humanidade o princípio cristão “ama
ao próximo como a ti”, deveriam dar as boas-vindas ao movimento socialista: “Quando o clero apóia o rico, e aqueles que
exploram e oprimem o pobre, estão em contradição explícita com os ensinamentos
cristãos: servem não a Cristo, mas sim ao Bezerro de ouro.Entretanto, numa
teologia da Inclusão, apoiar é diferente de convidar ao banquete do reino, onde
pobres e ricos se encontram para a partilha e fraternidade, onde já não há
Judeu nem Grego, nem escravos e livres, mas um só povo.” Os primeiros apóstolos da
cristandade eram comunistas apaixonados e os Padres da Igreja (como Basílio e
João Chrysostomo) denunciaram as injustiças sociais.Hoje esta causa é levada
adiante pelo movimento socialista que aproxima o evangelho da fraternidade e a
igualdade do pobre, e chama às pessoas a estabelecer na terra o Reino da
liberdade e do amor ao próximo (Luxemburgo, 1971: 45-47, 67-75).Em lugar de levantar uma batalha filosófica em
nome do materialismo, Rosa Luxemburgo tentou resgatar a dimensão social da
tradição cristã para o movimento dos trabalhadores.Na Internacional Comunista se
prestou pouca atenção à religião, embora um número significativo de cristãos
tenha se unido ao movimento, e um ex-pastor protestante suíço, Jules
Humbert-Droz, transformou-se nos anos 20 em uma das figuras líderes da
Internacional Comunista.A idéia dominante entre marxistas naqueles
tempos era que um cristão que se convertesse em socialista ou comunista
necessariamente abandonaria sua prévia crença religiosa “anti-científica” e
“idealista”.A peça teatral de Bertolt
Brecht Santa Joana dos Matadouros (1932) é um bom exemplo deste tipo de
colocação a respeito da conversão de cristãos à luta pela emancipação
proletária.Brecht descreve com muita
percepção o processo pelo qual Joana, uma líder do Exército de Salvação,
descobre a verdade sobre a exploração e a injustiça social e morre denunciando
suas primeiras e antigas idéias.Mas
para ele deve haver um total e absoluto rompimento entre a antiga crença
religiosa do personagem e seu novo credo de luta revolucionária. Pouco antes de
morrer Joana diz aos operários:
“Se alguma vez alguém
vier a te dizer
que existe um Deus,
invisível entretanto,
de quem pode esperar
ajuda,
golpeia-o duro com uma
pedra na cabeça
até que morra...”
A intuição de Rosa Luxemburgo,
que se pode lutar pelo socialismo também em nome dos verdadeiros valores da
cristandade original, perdeu-se neste tipo cru e um pouco intolerante de
perspectiva materialista. Poucos anos depois que Brecht
escreveu esta peça, apareceu na França (1936-1938) um movimento de cristãos
revolucionários, alcançando vários milhares de seguidores, que apoiavam
ativamente o movimento operário, em particular suas mais radicais tendências (a
ala esquerda do Partido Socialista).Seu principal slogan era: “Somos socialistas
porque somos cristãos”.
Entre os líderes e pensadores do movimento comunista, Gramsci é
provavelmente quem mostrou a maior atenção a temáticas religiosas!
Distintamente de Engels ou Kautsky não estava interessado no cristianismo primitivo ou nos hereges comunistas da Idade Média, mas sim na função da Igreja Católica na sociedade capitalista moderna: é um dos primeiros marxistas que tentou entender o papel contemporâneo da Igreja e o peso da cultura religiosa entre as massas populares. Em seus escritos juvenis, Gramsci mostra simpatia por formas progressistas de religiosidade. Por exemplo, está fascinado pelo socialista cristão francês Charles Péguy:“a mais óbvia característica da personalidade de Péguy é sua religiosidade, a intensa crença […] seus livros estão cheios deste misticismo inspirado pelo mais puro e persuasivo entusiasmo, que leva a forma de uma prosa muito pessoal, de entonação bíblica”. Lendo Nossa Juventude, de Péguy, “embebedamo-nos com esse sentimento místico religioso do socialismo, de justiça que impregna tudo […] sentimos em nós uma nova vida, uma crença mais forte, afastada das ordinárias e miseráveis polêmicas dos pequenos e vulgares políticos materialistas” (Gramsci, 1958: 33-34; 1972: 118-119). Gramsci
está muito interessado pela Reforma Protestante, mas distintamente de Engels e
Kautsky, não se centra em Thomas Münzer e nos anabatistas, mas sim em Lutero e
Calvino! Como leitor atento do ensaio de
Max Weber, acredita que a transformação da doutrina calvinista da predestinação
em “um dos maiores impulsos para a iniciativa prática que teve lugar na
história do mundo”, é um exemplo clássico da passagem de um ponto de vista do
mundo a uma norma prática de comportamento. De certa forma, as pessoas poderiam
considerar que Gramsci utiliza Weber para suplantar a colocação economicista do
marxismo vulgar, insistindo no papel historicamente produtivo de idéias e
representações (Gramsci, 1979: 17-18, 50, 110; Montanari, 1987: 58).Para
ele, a Reforma Protestante, como um movimento nacional-popular autêntico capaz
de mobilizar as massas, é um tipo de paradigma para a grande “reforma moral e
intelectual” que o marxismo quer implementar: “A
filosofia da práxis “corresponde à conexão Reforma Protestante + Revolução Francesa:
é uma filosofia que é também política e uma política que é de uma vez
filosofia”. Enquanto Kautsky, vivendo na
Alemanha protestante, idealizou o Renascimento italiano e desprezou a Reforma
como “bárbara”, Gramsci, o marxista italiano, elogiou Lutero e Calvino e
denunciou o Renascimento por considerá-lo um movimento aristocrático e
reacionário (Gramsci, 1979: 105; Kautsky, 1890: 76). As observações de
Gramsci são ricas e estimulantes, mas em última análise seguem o padrão
clássico marxista de analisar a religião.
Ernst Bloch é o primeiro autor marxista que trocou radicalmente a
estrutura teórica sem abandonar a perspectiva marxista e revolucionária!
De forma similar a Engels,
distinguiu duas correntes sociais opostas: por um lado, a religião teocrática
das Igrejas oficiais, ópio dos povos, um aparelho mistificador a serviço dos
capitalistas; pelo outro, a secreta, subversiva e herética religião dos
albigenses, husitas, de Joaquim de Flores, Thomas Münzer, Franz von Baader,
Wilhelm Weitling e Leon Tolstoi. Entretanto,
distintamente de Engels, Bloch negou-se a ver a religião unicamente como um
“manto” de interesses de classe: criticou expressamente esta concepção,
enquanto a atribuía somente a Kautsky. Em suas manifestações contestadoras e
rebeldes, a religião é uma das formas mais significativas de consciência
utópica, uma das expressões mais ricas de O Principio Esperança. Através de sua capacidade de antecipação
criativa, a escatologia judaico-cristã –universo religioso favorito de Bloch–
contribui a dar forma ao espaço imaginário do ainda não–existente (Bloch, 1959;
1968).Apoiando-se nestas pressuposições filosóficas,
Bloch desenvolve uma interpretação iconoclasta e heterodoxa da Bíblia; ambos, o
Antigo e Novo Testamento marcando o pauperismo, que denuncia os faraós e pede
que cada um escolha entre César e Cristo. Um
ateu religioso para ele só um ateu pode ser um bom cristão e vice-versa,e um
teólogo da revolução.Bloch não só produziu uma
leitura marxista do milenarismo (seguindo Engels) mas sim também ,e isto era
novo,uma interpretação milenarista do marxismo, através da qual a luta
socialista pelo Reino da Liberdade é percebida como a herança direta das
heresias escatológicas e coletivistas do passado.É obvio Bloch, como o jovem
Marx da famosa frase de 1844, reconheceu o caráter dual do fenômeno religioso,
seu aspecto opressivo e seu potencial para a sublevação.O
primeiro requer do uso daquilo que ele denomina “a corrente fria do marxismo”:A implacável análise
materialista das ideologias, dos ídolos e das idolatrias. O segundo,
entretanto, necessita da “corrente quente do marxismo” aquela que ambiciona
resgatar o excedente cultural utópico da religião, sua força crítica e
antecipadora.Além de qualquer “diálogo”, Bloch sonhou com uma
autêntica união entre cristandade e revolução, como aquela que teve lugar
durante as guerras camponesas do século XVI.As idéias de Bloch eram, em
certo ponto, compartilhadas por alguns dos membros da Escola de Frankfurt. Max
Horkheimer considerou que “a religião é o registro dos desejos, nostalgias (sehnsuchte)
e acusações de inumeráveis gerações” (Horkheimer, 1972: 374).
Erich
Fromm, em seu livro O dogma de
Cristo (1930), usou o marxismo e a psicanálise para iluminar a
essência messiânica, plebéia, igualitária e antiautoritária do cristianismo
primitivo! Comparar sem assimilar um ao
outro: crença religiosa e crença marxista:
1)-Ambas têm em comum o rechaço
do puro individualismo (racionalista ou empirista) e a crença em valores
trans-individuais:Deus para a religião, a comunidade humana para o socialismo.
2)- Em ambos os casos, a crença
está apoiada em uma aposta,a aposta pascaliana na existência de Deus e a marxista
na libertação da humanidade que pressupõe o perigo do fracasso e a esperança do
êxito.
3)- Ambos implicam algumas
crenças fundamentais que não são demonstráveis no nível exclusivo de
julgamentos objetivos. O que os separa é obviamente o caráter supra-histórico
da transcendência religiosa: A crença marxista é uma
crença no futuro histórico que o ser humano cria por si mesmo, ou melhor
dizendo, que devemos fazer com nossa atividade, uma “aposta” no êxito de nossas
ações; a transcendência da que é objeto esta crença não é nem sobrenatural nem trans-histórica
mas sim supra-individual, nada mais mas tampouco nada menos (Goldmann, 1955:
99).
4)- Sem pretender de maneira
nenhuma “cristianizar o marxismo”, Lucien Goldmann introduziu, graças ao
conceito de crença, uma nova maneira de ver a relação conflitiva entre
convicção religiosa e ateísmo marxista.
5)- A idéia de que existe um
campo comum entre o espírito revolucionário e a religião já foi sugerida, em
uma forma menos sistemática, pelo peruano José Carlos Mariátegui, o marxista
latino-americano mais original e criativo. No ensaio “O Homem e o mito” (1925), propôs uma visão heterodoxa dos
valores revolucionários: Os burgueses
intelectuais ocupam seu tempo em uma critica racionalista do método, da teoria
e da técnica revolucionária. Que mal-entendido! A força dos revolucionários não
está baseada em sua ciência, mas sim em sua crença, sua paixão, seu desejo. É
uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito [...] A emoção
revolucionária é uma emoção religiosa. As motivações religiosas se mudaram do
céu para a terra. Não são mais divinas, mas sim humanas e sociais” (Mariátegui,
1971a: 18-22).
6)- Celebrando Georges Sorel, o
teórico do sindicalismo revolucionário, como o primeiro pensador marxista em
entender o “caráter religioso, místico e metafísico do socialismo”, escreve
poucos anos depois em seu livro Defesa do marxismo (1930):Graças a Sorel, o
marxismo pôde assimilar os elementos e aquisições substanciais das correntes
filosóficas que vieram depois de Marx. Substituindo as bases positivistas e
racionalistas do socialismo em seu tempo, Sorel encontrou em Bergson e nas
idéias pragmáticas que fortaleceram o pensamento marxista, restabelecendo sua
missão revolucionária. A teoria dos mitos revolucionários, ao aplicar a
experiência dos movimentos religiosos ao movimento socialista, estabeleceu as
bases para uma filosofia da revolução (Mariátegui: 1971b: 21).
7)- Marx e Engels pensaram que
o papel subversivo da religião era coisa do passado, sem significação na época
moderna da luta de classes. Este prognóstico foi mais ou menos historicamente
confirmado por um século,com umas poucas importantes exceções (particularmente
na França): Os socialistas cristãos dos
anos 30, os sacerdotes operários dos 40, a ala esquerda do sindicalismo cristão
nos 50, etc.Mas para entender que foi
acontecendo nos últimos 30 anos na América Latina (e em menor extensão também
em outros continentes) ao redor da temática da teologia da liberação,
precisamos integrar à nossa análise as colocações de Bloch e Goldmann
sobre o potencial utópico da tradição judaico-cristã.
No
séc. passado, até a queda do muro de Berlim e o colapso do socialismo real, o
pensamento marxista de tal forma parecia a verdadeira interpretação da história
que muitos pensadores cristãos, excluindo o ateísmo explícito do marxismo,
julgaram dever adotar seu método de análise da sociedade com sua consequente
práxis, como instrumento indispensável para a eficácia da participação dos
cristãos no processo sócio-político para a transformação das estruturas de
injustiça.Na Europa pensadores cristãos dialogavam com pensadores marxistas
e, por sua vez, pensadores marxistas reviam a posição radical do marxismo
ortodoxo em relação à religião.Essa
revisão não significava, entretanto, a aceitação das verdades da fé, mas o reconhecimento de que,
no decorrer da história, a fé cristã, não obstante os comprometimentos do
ocidente cristão com formas injustas de estruturação da sociedade, foi também ,
nós diríamos foi sempre, na medida de sua autenticidade, uma força libertadora
para os pobres e oprimidos.Na
América latina teólogos católicos se sentiram no dever de pensar a fé em função
da transformação da sociedade, “à luz da opção preferencial , mas quase
exclusiva,pelos pobres”.
Alguns assumiram o método de análise marxista que
privilegia o conflito: a luta de classes,como ponto de partida de compreensão
do processo histórico!
Como
o marxismo quis ser antes de tudo um pensamento voltado para a prática política
de tipo revolucionário, as “verdades da fé” passaram a ser compreendidas em
função da transformação social como motivadoras do respectivo compromisso
político. Tendo na “luta de classes” a chave de leitura do processo histórico,
inevitável a divisão da sociedade em dois grupos: o dos pobres –“empobrecidos”-
oprimidos e o dos ricos, opressores, os beneficiários da mais-valia. Ao diálogo é contraposta a
dialética da luta de classes! João Paulo II dizia: “O Diálogo é o novo nome da Caridade” - Essa
forma de pensar a dinâmica social, universalizada, aplicada às relações
intra-eclesiais, postulava uma reformulação do modo de ser Igreja, onde se
tornava difícil a aceitação de uma Hierarquia – esta palavra mesma se tornou
suspeita – dotada pelo Espírito do carisma da verdade e do governo na Igreja.Uma eclesiologia da igualdade, embora com alguma base na Lumen
Gentium, exacerbou conflitos dentro da Igreja com forte repercussão nas
instituições eclesiásticas de ensino e de formação. Mesmo as verdades reveladas
sobre Jesus Cristo, sobre a Igreja e sobre o Homem começaram a ser entendidas
em função da transformação social, correndo o risco de perder sua identidade
irredutível, sua dimensão de transcendência. Nesse
sentido o discurso de João Paulo II na abertura da Conferência de Puebla foi
decisivo para manter a teologia do documento fiel à Tradição e, ao mesmo tempo,
atenta às exigências do momento histórico vivido pela Igreja na América Latina.O
documento de Puebla, ao tratar de “Evangelização, Ideologias e Política”,
analisando os vários tipos de ideologias, manifestou sua reserva à teologia que
avançava nesta direção: “Recordamos com o Magistério pontifício que ‘seria ilusório e
perigoso chegar a esquecer o nexo íntimo que os une radicalmente; aceitar os
elementos da análise marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia,
entrar na prática da luta de classes e de sua interpretação marxista, deixando
de perceber o tipo de sociedade totalitária e violenta a que conduz tal
processo (0A 34)’.
Cumpre salientar aqui o risco de ideologização a
que se expõe a reflexão teológica, quando se realiza partindo de uma práxis que
recorre à análise marxista!
Suas
conseqüências são a total politização da existência cristã, a dissolução da
linguagem da fé no das ciências sociais e o esvaziamento da dimensão
transcendental da salvação cristã.Ambas as ideologias assinaladas:liberalismo capitalista e marxismo
se inspiram em humanismos fechados a qualquer perspectiva transcendente. Uma,
devido a seu ateísmo prático; a outra, por causa da profissão sistemática de um
ateísmo militante” (DP Cap.2: 5,5).Em parágrafos anteriores, o
mesmo documento fazia a seguinte advertência:“São correntes de aspirações
com tendência para a absolutização, dotadas também de poderosa força de
conquista e fervor redentor. ( o grifo é nosso) Isso lhes confere uma “mística”
especial e a capacidade de penetrar os diversos ambientes de modo muitas vezes
irresistível. Seus slogans, suas expressões típicas, seus critérios, chegam a
marcar profundamente e com facilidade mesmo aqueles que estão longe de aderir
voluntariamente a seus princípios doutrinais. Desse modo, muitos vivem e
militam praticamente dentro dos limites de determinadas ideologias sem haverem
tomado consciência disso”.O
risco de uma ideologização da fé foi exaustivamente exposto pela Congregação
para a Doutrina da Fé na Instrução “Libertatis Nuntius” (6 de agosto de 1984),
assinada pelo seu Prefeito, hoje o Papa Bento XVI.
*Adaptado
de:
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, Arcebispo de Sorocaba (SP)
Fonte:http://www.cnbb.org.br/articulistas/dom-eduardo-benes-de-sales-rodrigues/11404-o-marxismo-na-teologia-
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