por Karlos Guedes
Filioque (em latim: "e (do) Filho") é uma frase encontrada na versão do Credo niceno-constantinopolitano em uso na Igreja Latina. Ela não está presente no texto grego desse credo como formulado originalmente no Primeiro Concílio de Constantinopla, onde se lê apenas que o Espírito Santo procede "do Pai": “Καὶ εἰς τὸ Πνεῦμα τὸ Ἅγιον, τὸ κύριον, τὸ ζωοποιόν, τὸ ἐκ τοῦ Πατρὸς ἐκπορευόμενον - E no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai” - O texto, na versão latina, fala do Espírito Santo como procedendo "do Pai e do Filho": “Et in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem, qui ex Patre Filioque procedit - E no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai e do Filho” - Frequentemente diz-se que o primeiro caso conhecido da inserção da palavra Filioque na versão latina do Credo niceno-constantinopolitano ocorreu no Terceiro Concílio de Toledo (589) e que a sua inclusão a partir daí se espalhou espontaneamente por todo o Império dos Francos. No século IX, o Papa Leão III, ainda que aceitando a doutrina da procedência do Espírito Santo do Pai e do Filho, se opôs à adoção da cláusula Filioque. Em 1014, porém, o canto do credo — com a Filioque — foi adotado na celebração da missa em Roma. A inserção foi inspirada pela doutrina, tradicional no Ocidente e encontrada também em Alexandria, que foi declarada dogmaticamente pelo Papa Leão I em 447, e que é chamada filioquismo. A esta doutrina opõe-se a doutrina do monopatrismo, formulada por Fócio, patriarca de Constantinopla, que manteve a frase: "que procede do Pai" (τὸ ἐκ τοῦ Πατρὸς ἐκπορευόμενον) do Credo niceno-constantinopolitano deve ser interpretada no sentido de "que procede do Pai sozinho (τὸ ἐκ μόνου τοῦ Πατρὸς ἐκπορευόμενον). Os conflitos entre os defensores dessas duas doutrinas contribuíram para o Grande Cisma do Oriente de 1054 e ainda constituem um obstáculo (entre outros), para as tentativas de reunião das Igrejas Católica e Ortodoxa. Tal fato se deveu também, a questões políticas e à soberba do Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário.
Três são os argumentos dos cismáticos sobre a processão do Espírito Santo que devem ser levados em consideração:
1.a
falta do termo no Símbolo niceno-constantinopolitano;
2.a
ausência de Padres não latinos em defesa do Filioque;
3.a
superfluidade em se recorrer à dupla processão para explicar Sua origem eterna.
A resposta do número 3 já é
suficiente para derrubar os outros dois argumentos, mas, por isso mesmo, será o
último item a ser analisado.
Antes de analisar cada questão, é mister
recordar alguns pontos sobre a teologia trinitária (ao leitor, peço um pouco de
paciência se a leitura se mostrar densa, pois, afinal, trata-se do principal
mistério da Fé e a defesa do Filioque requer, de fato, conhecimento um pouco
mais profundo sobre a Santíssima Trindade do que é feito na catequese
ordinariamente).
I - Santíssima Trindade, segundo a doutrina católica
A Santíssima Trindade é o mistério dogmático central da Fé pela qual se professa a existência de uma única natureza divina subsistente em três Pessoas realmente distintas.Resumidamente, o Deus único age de Si para Si mesmo por 2 processões, das quais se originam 3 Pessoas realmente distintas, com 4 propriedades cada, e 4 relações mútuas que geram 5 noções. Santo Tomás ensina essa doutrina em todo o tradado do Deus Trino (cf. S.T., I, qq. 27–40), mas ela pode ser resumida no artigo 3 da questão 32.
As processões são as operações eternas e imanentes por que Deus
age (cf. Pietro Parente, Diccionario de teología dogmática):
1. intelectiva - Deus Se conhece! Nesta afirmação distinguimos: O sujeito Deus. Isto é, Deus enquanto conhecedor; e o objeto, Se, isto é, Deus enquanto conhecido.Quando conhecemos algo, forma-se em nosso intelecto uma idéia daquilo que conhecemos.Em Deus, analogicamente, dá-se o mesmo.Ao se conhecer, Deus concebe uma idéia de Si mesmo.Se esta idéia que Deus tem de Si mesmo fosse menor do que Deus (Deus > Idéia de Deus), Deus seria ignorante, pois Ele não se conheceria perfeitamente. É um absurdo! Se a idéia que Deus faz de si mesmo fosse maior do que Ele (Deus < Idéia de Deus), Deus seria orgulhoso, o que é um absurdo também.Ora, se a idéia que Deus tem de Si mesmo não pode ser nem menor, nem maior do que Ele, essa idéia tem que ser absolutamente igual a Ele (Deus = Idéia de Deus).
-Em nós, as idéias estão em nossa inteligência sem se
identificar com ela.
-Em nós, ainda, quanto mais algo é entendido, mais a idéia
compreendida fica unida à nossa inteligência.
-Em Deus, o entendimento é sempre absoluto e, então, a idéia
entendida fica absolutamente unida à Inteligência divina.
Ora, absoluta união significa identidade. Portanto, em Deus, a idéia que Ele concebe de Si mesmo é a sua própria Inteligência, ou Sabedoria.Ademais, assim como expressamos nossas idéias por palavras, assim também, analogicamente, a Idéia que Deus tem de Si mesmo pode ser chamada palavra de Deus, pois que a Idéia é palavra interior.A palavra mais importante, a que dá o sentido e a compreensão de nossas afirmações, é o verbo. Desta forma, idéia, palavra e verbo se correspondem.Em Deus, Idéia de Deus, Palavra de Deus e Verbo de Deus são a mesma coisa.Ao Verbo, ou Idéia de Deus, - que é a própria Inteligência divina - se dá ainda o nome de Filho.
Com efeito, ser filho é ser:
a) produto de um ato vital;
b) da mesma natureza que o gerador;
c) e semelhante a Ele.
Ora, a idéia que Deus gera de Si mesmo, eternamente, em seu intelecto divino, supõe um ato vital - o do entender divino - já que só é capaz de entender, um ser que possua vida.Além disso, a idéia que Deus tem de Si mesmo se identifica com a Inteligência de Deus, e é uma só e mesma coisa que ela. Portanto, a Idéia que Deus tem de Si mesmo, tem a mesma natureza que Deus, pois é sua própria Inteligência.Finalmente, a Idéia que Deus tem de Si mesmo é mais do que semelhante a Deus, pois é igual a Ele.Logo, na processão intelectiva de Deus, na geração do Verbo, se realizam as três condições necessárias para haver filiação.Portanto, a Idéia que Deus concebe de Si mesmo - o Verbo - pode, e deve, ser chamada o Filho de Deus, e o seu gerador é o Pai.A geração do Verbo, ou Filho de Deus, é eterna em Deus. Isto significa que Deus não pode ter começado a se conhecer. O conhecimento que Deus tem de Si mesmo é sem crescimento, nem decadência. É sempre o mesmo, perfeito e absoluto.Como a verdade é a correspondência entre a idéia do sujeito e o objeto conhecido, havendo em Deus um conhecimento perfeito, isto é, uma perfeita correspondência, e até igualdade, entre Deus conhecedor e Deus conhecido, então, a Idéia de Deus é a própria Verdade de Deus.Também esse conhecimento que Deus tem de Si é a própria vida do intelecto divino.O Filho de Deus é, pois, a Verdade e a Vida também.
Quando Deus fez todas as coisas, diz a
Escritura que Ele dizia uma palavra e a coisa era criada.
"Tu falastes e (todas as criaturas) foram feitas"
(Jud. 16,17).
"Seja feita a luz. E a luz existiu" (Gen. 1,3).
Assim como um engenheiro concebe antes o que vai fazer em seu intelecto, como idéia, assim também, de modo analógico, Deus concebeu toda a criação em Seu intelecto.Na sabedoria, Deus criou todas as coisas:
"Todas as coisas foram feitas no Verbo, e sem Ele nada foi
feito" (João 1 ).
Por isso foi escrito: "No princípio, Deus criou o céu e a
terra" (Gen. 1,1).
Os judeus discutiram muito sobre o que era esse "no princípio" - Bereshit - no qual Deus criara o céu e a terra. E a gnose rabínica acabou ensinando que o Bereshit (no princípio) era o sujeito do verbo bara (criou). Para responder a esse erro gnóstico, que distinguia a Divindade de Deus, São João escreveu: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e Deus era o verbo. Isto [o Verbo] estava em princípio junto de Deus" (Jo 1,1-3 ).
"In pricipio erat Verbum et Verbum erat apud deum, Et Deus
erat Verbum. Hoc erat in princípio apud Deum".
Sendo que as três primeiras orações aludem à Trindade, e a
quarta faz alusão à unidade de Deus.
"Todas as coisas foram feitas por Ele, e nada do que foi
feito, foi feito sem Ele" (Jo. 1, 3).
Portanto, cada criatura corresponde a uma idéia de Deus.Quando Deus criou as coisas, criou-as no Verbo, ou na Sabedoria. Ele criou cada coisa como símbolo de uma qualidade existente nEle. Por isso, todas as coisas falam dEle. Daí, São Paulo ensinar aos Romanos:
"As
qualidades invisíveis de Deus, depois da criação do mundo tornam-se visíveis
nas coisas criadas" (Rom 1, 20).
E lê-se
que "Pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente chegar ao
conhecimento de seu criador" (Sab 13, 5 ).
Ao criar cada ser, Deus teve antes idéia dele e fez cada coisa como reflexo, vestígio, imagem e semelhança de Si mesmo. Assim, ao criar a águia, Deus a fez para representar uma qualidade dEle, e daí é que vem a beleza da águia.Como Deus é artista perfeito, cada criatura corresponde perfeitamente à idéia que Deus teve dela. Por isso, é a verdade objetiva que nos une à Sabedoria de Deus. Foi esta Sabedoria de Deus - o Verbo divino, o Filho - que se fez homem, em Jesus Cristo.
"E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" (Jo 1,14).
Jesus Cristo é, pois, o Filho de Deus feito homem. NEle há duas naturezas - uma divina e outra humana - mas, uma só pessoa divina: a do Filho, segunda pessoa da Santíssima Trindade.Este é o mistério da Encarnação. Mistério, porque está acima da inteligência humana compreender como se dá essa união de duas naturezas em uma só pessoa. É o que se denomina união hipostática, isto é, de uma só pessoa com duas naturezas.Cristo é, ao mesmo tempo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.Como Deus, Ele tem Inteligência divina infinita, e vontade divina infinita.Como homem, Ele se encarnou no seio da Virgem Maria, no tempo. Nasceu, cresceu, viveu, etc.Como homem, Ele tem natureza humana completa, com corpo e alma.
Daí existirem em Cristo duas inteligências e duas vontades, uma
humana e outra divina. Tendo inteligência divina, Ele conhecia até o pensamento
dos fariseus, como se lê no Evangelho. Tendo inteligência humana, Ele aprendeu
a falar, a ler, etc. Desse modo, foi a Virgem Maria quem ensinou o Verbo de
Deus a falar, enquanto homem. Foi ela quem deu palavra humana à Palavra de
Deus.
Quando era menino e foi ao Templo, ao discutir com os
doutores, Ele fazia perguntas enquanto homem, e os maravilhava com a sabedoria
de suas respostas, pois falava então como Deus.
Em Cristo, há também duas vontades: uma divina e outra humana.
Porém ambas queriam sempre a mesma coisa. Havia, portanto, uma só vontade moral
em Cristo, pois que, se a vontade humana de Cristo contrariasse a vontade
divina, isto seria um pecado, o que era impossível para Ele. No horto das
Oliveiras, a vontade humana de Cristo afirmou sua submissão e união moral à
Vontade divina quando disse: "Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este
cálice; não se faça, contudo, a minha vontade, mas a tua" (Luc. 22, 42).
Cristo tinha ainda sensibilidade humana!
Por isso, o
Evangelho conta que Ele chorou no túmulo de Lázaro, pois perdera seu amigo, que
Ele amava com amor humano, sensivelmente. Chorou sobre Jerusalém. Irritou-se
com os vendilhões, no Templo, e com os fariseus. Alegrou-se com as criancinhas,
etc.
Seu corpo era verdadeiro corpo humano. Foi concebido, nasceu, cresceu. Ele tinha fome e teve sede. Cansou-se e sentou-se, por isso, à beira do poço, ao meio dia. Mesmo depois da ressurreição, podia ser tocado em seu corpo, e comeu peixe que os apóstolos haviam assado ao fogo.Este era Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus, e Deus feito homem, cheio de graça e de verdade.
"E nós vimos a sua glória, glória como de (Filho) unigênito
do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1,14 ).
Ele é Filho unigênito do Pai, porque Deus não pode ter duas idéias de Si mesmo.É consubstancial ao Pai, porque a idéia que Deus tem de si, identificando-se com a própria Inteligência divina, é uma só coisa com a sua inteligência. Ele é consubstancial ao Pai, pois a Inteligência de Deus integra a própria Substância de Deus."Cheio de graça e de verdade".Cheio de Verdade, porque sendo o Verbo, Ele é o fundamento de toda verdade. Ele é a Verdade. Por isso, disse: "Eu sou a Verdade". "Ego sum Veritas".
"Eu sou o caminho,a verdade e a vida". "Ego sum
via,et veritas,et vita" (Jo 14,6).
Caminho, porque é o Redentor, o único meio de irmos a Deus.
Caminho, porque é nosso modelo, que sendo por nós imitado,
nos leva até Deus.
Caminho, porque é por Ele que nos vem toda a graça, como pelo
caminho do caule, toda seiva chega aos ramos.
Verdade, porque é a Idéia de Deus, a Sabedoria de Deus.
Verdade, porque todas as coisas foram feitas por Ele, pelo
Verbo, em correspondência perfeita com a idéia que Ele teve de todas as coisas,
ao criá-las.
Verdade, porque dEle nos veio a plenitude de Revelação e de
Verdade de Deus.
Vida, porque Ele é Deus, Vida absoluta e fonte de vida.
Vida, porque a Vida divina consiste em conhecer-Se e amar-Se.
Vida, porque só com a fé na verdade de Cristo podemos ter a
vida da graça.
Cristo, Deus-Homem é o caminho que conduz os homens ao
conhecimento da Verdade.
Ele mesmo-Verdade que é a luz dos homens e que lhes possibilita ter vida humana perfeita racional, intelectual, e vida divina pela graça!
"No
Verbo estava toda a vida, e a vida era a luz dos homens" (Jo 1,4).
"O
Verbo era a luz verdadeira" - luz da verdade- "que ilumina todo homem
que vem a este mundo" (Jo 1,9).
2.volitiva - Em Deus, ser infinito de natureza puramente espiritual, só há processões imanentes - ad intra - por motivo das operações que não tendem a coisa extrínseca, mas permanecem no próprio agente.
Em toda natureza espiritual, há duas operações desse tipo: a da inteligência e a da vontade. Pela ação ou operação do Intelecto divino se dá a processão do Verbo, a modo de geração.Pela ação da vontade, se dá a processão do Amor, pelo qual o amado está naquele que ama. Portanto, há também em Deus uma processão volitiva ou do Amor. Deus Se ama! Nesta sentença distinguimos:
1) o sujeito: Deus amante;
2) o objeto: Deus amado.
Diferentemente se dá a processão do Verbo da processão do Amor
Enquanto, a processão do Verbo gera no Intelecto divino uma Idéia de Deus, que é o Verbo, na processão do Amor, não se produz uma geração, pois não se forma na Vontade a imagem da coisa querida. Na processão do Amor, no querer, se dá uma inclinação do amante com relação ao querido. Na vontade de Deus, enquanto Deus Se ama, se dá um impulso,uma inclinação, um movimento da Vontade divina para o mesmo Deus, enquanto Objeto do amor, enquanto Bem absoluto, absolutamente desejável e amável. Por conseguinte, na processão volitiva divina, devemos distinguir: Deus enquanto amante e Deus enquanto amado.
-A Deus, enquanto amante, chamamos Expiração.
-A Deus, enquanto amado, chamamos Processão.
As Pessoas são os sujeitos em Quem
subsistem a natureza divina:
1. Pai
(noção pessoal e relacional da paternidade);
2. Filho
(noção pessoal e relacional da filiação);
3. Espírito
Santo (noção pessoal e relacional da processão).
As propriedades são as características que se atribuem a uma
Pessoa, como qualidade necessária (cf. Regis Jolivet, Vocabulário de
Filosofia):
1. inascibilidade
(não nascido nem gerado de ninguém), que é próprio do Pai;
2. paternidade
(princípio do Filho), que é próprio do Pai;
3. filiação
(geração do Filho pelo Pai), que é próprio do Filho;
4. processão
(origem eterna do Espírito Santo do único princípio), que é próprio do Espírito
Santo;
As relações são as ordenações de um ser (princípio) para outro
(termo). Em Deus, as relações são reais, ou seja, no sujeito, i.e.,
diferencia-o e define:
1. paternidade
(princípio do qual);
2. filiação
(termo para o qual);
3. espiração
[comum] ou ativa (princípio do qual);
4. processão
ou espiração passiva (termo para o qual).
As noções são as notas pelas quais se reconhecem as Pessoas
divinas (são a junção entre propriedade e relação):
1. inascibilidade
do Pai (não procedência);
2. paternidade
(do Pai em relação ao Filho);
3. filiação
(do Filho em relação ao Pai);
4. espiração
comum (do Pai e do Filho em relação ao Espírito Santo);
5. processão
(do Espírito Santo em relação ao Pai e ao Filho).
2 O Símbolo niceno-constantinopolitano
Passemos a analisar o que o Credo de uso
litúrgico universal ensina em relação à questão. Para isso, far-se-á algumas
considerações históricas e, depois, a análise propriamente dita.
Contextualização histórica do termo - No texto original do Credo, chamado niceno-constantinopolitano, consta:
E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai (Denz.
86).
De fato, não se encontra a expressão «e do Filho» no texto original. Na verdade, sua adição ao Credo foi feita pela primeira vez em 589 num concílio regional (III Concílio de Toledo) [1] e gradativamente foi se espalhando pela Igreja latina, de modo que em 796 praticamente todas as Igrejas ocidentais usavam o Credo com a adição (Roma era talvez a única exceção). Nessa época, ainda não havia a recitação do Credo no Rito Romano. No século IX, o Papa Leão III se opõe ao pedido de inserção do Filioque, que entra no Credo em Roma em 1014, por ocasião da coroação de Santo Henrique, imperador do Sacro Império Romano-germânico, a seu pedido. Por ordem do Papa Bento VIII, o Credo, com a adição do Filioque, passou a ser dito no Rito Romano.
Ausência
do Filioque no texto original
Embora, de fato, o termo não conste
originalmente no Credo, a verdade da processão do Espírito Santo do Pai «e do
Filho» já era crida e ensinada por toda a Igreja ocidental (fato não negado
pelos ortodoxos).
Entre os
Padres latinos, podemos invocar:
-Santo Hilário de Poitiers (séc. IV),
-Santo Ambrósio de Milão (séc. IV),
-São Jerônimo (séc. V),
-Papa São Leão Magno (séc. V), que a definiu como verdade revelada,
-Papa São Gregório Magno (séc. VI).
Santo Hilário, em 367: "a quem julga que há diferença entre receber do Filho e proceder do Pai, respondemos que é certo que é uma só e mesma coisa receber do Filho e receber do Pai" (De Trinitate VIII, 20, destaques nossos).
Para o Santo de Poitiers, o Filho recebe do Pai a razão de
proceder de Si o Espírito Santo:
"O Espírito da Verdade procede do Pai, é enviado pelo Filho e
recebe do Filho, porém, como tudo que o Pai tem é do Filho, o Espírito que
recebe dEle [o Filho] é o Espírito de Deus e Ele mesmo é o Espírito de Cristo.
(…) Assim, já que o que é de Deus é também de Cristo e o que é de Cristo é
também de Deus, Cristo não pode ser diferente dAquilo que Deus é. Cristo,
portanto, é Deus e é um só Espírito com Deus" (Ibid. VIII 26, destaques nossos).
Santo Ambrósio, em 397:
"O Espírito Santo, quando procede do Pai e do Filho, não Se separa do
Pai nem Se separa do Filho" (De Spiritu Sancto 1,11,120, destaques nossos).
O Bispo
de Hipona (Agostinho), foi o Padre que mais penetrou o mistério trinitário, em
430, vê-se a doutrina bem mais desenvolvida:
“Além disso, na Suprema Trindade
que é Deus, não há intervalo de tempo que permita mostrar, ou pelo menos
investigar, se o Filho teria nascido do Pai antes do Espírito Santo e, em
seguida, de ambos teria procedido o mesmo Espírito Santo. Pois a Escritura Santa
O denomina Espírito do Pai e do Filho. Com efeito, Ele é Aquele do qual fala o Apóstolo: A prova de que
sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de Seu Filho, que
clama: Aba, Pai! (Gl 4,6)” (De Trinitate, destaques nossos).
Donde se conclui que, ou a ausência do
Filioque não implica que a procedência se dê somente do Pai ou todos os Padres
latinos estão errados (e por isso deveriam ser desconsiderados como referência
pelos ortodoxos). Este fato é atestado por um teólogo ortodoxo russo, Sergei
Bulgakov:
"Uma geração inteira de escritores ocidentais, incluindo
Papas que são venerados como Santos pela Igreja oriental, confessavam a
procedência do Espírito também a partir do Filho; e é ainda mais impressionante
que não havia virtualmente nenhum desacordo a respeito desta teoria" (The
Comforter, p. 90, destaques nossos).
De fato, Fócio ousou interpretar a ausência
do termo como a evidência de que o Espírito Santo procede apenas do Pai (o que
não se pode inferir do texto), acusando a Igreja de Roma de heresia e cisma. O
mesmo teólogo declara que a doutrina de Fócio em si “representa de certa forma
uma novidade para a Igreja oriental” (cf. The Comforter, p. 144) e continua:
"Os padres capadócios afirmaram apenas uma
única ideia: a monarquia do Pai e, consequentemente, a procedência do Espírito
Santo precisamente do Pai. Eles jamais implicaram, porém, a exclusividade que
ela adquiriu na época das disputas sobre o Filioque após Fócio, no sentido de ‘Ele procede do Pai apenas’ (cf. ibidem, p. 80 destaques nossos).
Deste modo, pode-se facilmente deduzir que nem mesmo o teólogo ortodoxo considera a procedência do Espírito exclusivamente do Pai como uma doutrina nova.Conclui-se não haver problema na doutrina católica, pois salva a doutrina dos Padres latinos, assim como não entende a ausência do Filioque no Símbolo como uma necessária negação dele (prova disso é que a Igreja de Roma permite que as Igrejas orientais que voltam à comunhão católica omitam o termo em sua Profissão de Fé litúrgica, embora exija, evidentemente, a crença nele).
A “omissão” dos Padres orientais
Um argumento utilizado pelos opositores ao Filioque é que a doutrina se encontra apenas nos Padres ocidentais sendo, portanto, estranha à teologia oriental. À parte do problema que uma afirmação ou exigência dessas pode significar, mostraremos que tal não procede.São Gregório de Nazianzo (séc. IV) talvez tenha sido o primeiro Padre oriental a falar sobre a processão eterna das Pessoas divinas e provavelmente é a referência da teologia oriental. Ele distingue a origem do Filho, que é por geração, da origem do Espírito Santo, que é por processão (no item 4.2 discorreremos mais sobre isso). Doutrina seguida por quase todos os orientais, como se mostrará.
No Símbolo de Santo Atanásio, Patriarca de Alexandria (séc. IV)
[2], é afirmado:
"Espírito Santo não é feito, nem criado, nem gerado pelo Pai e pelo
Filho, mas é dEles procedente" (Denz. 39, destaques nossos).
Seguindo
Santo Atanásio, ensinava São Dídimo (também de Alexandria), em 398:
“Ele não falará sem Mim e sem a decisão do Pai, porque Ele não tem
origem em Si, mas é do Pai e de Mim. Pois o que Ele é como subsistência e como
palavra, Ele o é pelo Pai e por Mim” (De Spiritu Sancto 34, destaques nossos).
São Cirilo de Alexandria (séc. V), afirmava ser o Pai e o Filho
origem do Espírito Santo:
"O Espírito é o Espírito de Deus Pai e, ao mesmo tempo, Espírito do
Filho, saindo substancialmente de ambos simultaneamente, isto é, derramado pelo
Pai a partir do Filho (De adoratione, livro I, PG 68,148, destaques nossos).
São Máximo de Constantinopla (séc. VII) afirma o sentido do ensino
de São Cirilo:
"Os romanos produziram evidências unânimes sobre os Padres
latinos e também de Cirilo de Alexandria, a partir do estudo do Evangelho de
João que ele fizera. Com base nestes textos, eles mostraram que não fizeram só
do Filho a origem do Espírito, pois sabem que o Pai é a única origem do Filho e
do Espírito (o primeiro por geração e o outro por procedência), mas que
manifestaram apenas a procedência [do Espírito] através d’Ele (o Filho) e,
assim, mostraram a unidade e a identidade da essência" (cf. Carta a
Marinus, destaques nossos).
Aqui temos dois importantes Padres (um
deles, Santo Atanásio, um dos grandes orientais) que defendem a mesma doutrina
católica. Entretanto, depois de São Cirilo, a doutrina do Filioque deixou de
ser pregada em Alexandria [3], mas ainda foi ensinada em outros locais [4].
Ainda do século V, Santo Epifânio de Salamina:
"É preciso crer, a respeito de Cristo, que Ele vem do Pai, é Deus proveniente de Deus, e, a respeito do Espírito, que Ele provém do Cristo, ou, melhor; de ambos, pois Cristo disse: Ele procede do Pai e receberá do Meu.Já que o Pai chama Filho o que procede do Pai e Espírito Santo o que provém de ambos, (…) fica sabendo que o Espírito Santo é a luz que vem do Pai e do Filho" (Ancoratus 67 e 71, destaques nossos).
Talvez seja a doutrina de São João Damasceno (séc. VIII) a mais
clara entre os Padres orientais:
"O
Espírito Santo procede das duas Pessoas [Pai e Filho] simultaneamente" (De recta
fide 21, PG 76,1408, destaques nossos).
Assim, mostramos que a afirmação de que o
Filioque é ausente nos Padres orientais é falsa [5]. Contudo, não é uma
doutrina unânime nos Padres – embora a doutrina católica tenha mais
representatividade entre eles, pois todos os ocidentais como alguns orientais
(mesmo que minoria) professam a mesma verdade; os ortodoxos contam apenas com
alguns dentre os Padres orientais. Por causa disso, a questão haverá de ser
revolvida por uma autoridade externa a eles, estando até agora em aberta.
A Conveniência do Filioque
Aqui,
os ortodoxos apresentam dois argumentos de razão para combater o Filioque:
1.perde-se
a monarquia do Pai (e, consequentemente, um único princípio espirativo);
2.não
há necessidade desta doutrina para diferenciar o Espírito Santo do Filho.
Monarquia de Deus Pai e o único
princípio de espiração
Monarquia é a doutrina de que a Hipóstase (Pessoa) do Pai é a origem eterna das demais. A acusação ortodoxa é a seguinte: se o Espírito tem Sua origem no Pai e no Filho, a Pessoa de Deus Pai não possui a propriedade distintiva de fonte e origem da divindade das demais. Dessa forma, a monarquia do Pai, segundo os gregos, resguarda uma única fonte de procedência do Espírito Santo ─ para eles a doutrina católica ensina haver duas fontes separadas e distintas.
Visão ortodoxa do Filioque
Mas a acusação não procede. Como foi dito, o Pai não deixa de possuir caráter distintivo, pois só Ele tem a propriedade da inascibilidade (item 1). A doutrina católica afirma que a não procedência [de ninguém] é também uma noção do Pai. Ela é, pois, uma propriedade (característica pessoal) pela qual se conhece o Pai (noção).
Santo
Agostinho (também Santo Hilário, que foi citado acima) afirma a dupla
procedência do Espírito Santo salvaguardando a monarquia do Pai no seio da
comunhão consubstancial da Trindade:
"O
Espírito Santo procede do Pai a título de princípio (principaliter), e, pelo
dom intemporal do Pai ao Filho, procede do Pai e do Filho em comunhão
(communiter)" (De Trinitate XV 25,47, destaques nossos).
A Sagrada
Escritura também indica o mesmo:
"Tudo o que o Pai possui é Meu" (Jo 16,15).
"Você não crê que Eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu digo não são minhas, mas de meu Pai, que permanece em mim e realiza suas obras por meu intermédio. Apenas creiam que eu estou no Pai e que o Pai está em mim. Ou creiam pelo menos por causa das obras que vocês me viram realizar" (João 14,10-11)
Essa mesma doutrina afirma Santo Tomás:
“Por proceder perfeitamente do Pai, não somente não é supérfluo
dizer-se que o Espírito Santo procede do Filho, mas antes, é absolutamente
necessário. Pois sendo uma mesma a virtude do Pai e do Filho, tudo quanto
procede do Pai há de necessariamente proceder do Filho, salvo o que repugnar à
propriedade da filiação. Assim o Filho não procede de Si mesmo, embora proceda
do Pai” (S.T., I, q. 36, a. 2, sol. 6, destaques nossos).
O Pai é, pois, princípio e fonte da
Santíssima Trindade; o Filho é, juntamente com o Pai, princípio de subsistência
do Espírito Santo, tendo, do Pai, a Sua própria subsistência e o poder
espirativo, que é um só e o mesmo em Ambos (mas tendo como fonte o Pai):
"Em nome
da Santa Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, com a aprovação deste santo
Concílio universal de Florença, nós definimos, para que por todos os cristãos
seja crido e acolhido, e assim todos professem esta verdade de fé (…) porque
tudo o que é do Pai, o próprio Pai o deu ao Seu Único Filho gerando-O –
excetuando o Seu ser Pai –, o próprio proceder do Espírito Santo do Filho, o
Filho o tem do Pai desde a eternidade, de Quem também desde a eternidade é
gerado (…) e declaramos que o que têm dito os Santos Doutores e
Padres, isto é, que o Espírito Santo procede do Pai por meio do Filho, favorece
a compreensão de que também o Filho, como o Pai, segundo os gregos é causa,
segundo os latinos princípio da subsistência do Espírito Santo (Concílio de
Florença, Bula Lætentur cœli 1439, Denz. 691, destaques nossos).
Há, por
conseguinte, uma única fonte de espiração, como atesta o Supremo Magistério da
Igreja:
“Com fiel e devota profissão, declaramos que o Espírito Santo
procede eternamente do Pai e do Filho, não, porém, como de dois princípios, mas
como de um só; não por duas espirações, mas por uma só. Isto foi até agora
conservado, pregado e ensinado; isto crê firmemente, prega, confessa e ensina a
Sacrossanta Igreja Romana, Mãe e Mestra de todos os fiéis. Esta é a imutável e
verdadeira doutrina dos Padres e Doutores ortodoxos [6], dos latinos como dos
gregos” (Concílio de Lião, ano de 1274, cf. Denz. 460).
Assim, a acusação cai por terra, pois os
Padres e o Magistério da Igreja confessam o Filioque e afirmam a monarquia do
Pai e um princípio único como fonte do Espírito Santo (o Pai e o Filho
simultaneamente).
A individuação do Espírito Santo
Como os ortodoxos não aceitam o Magistério da Igreja, a última via argumentativa será usar a razão; neste caso, a Filosofia tomista. A priori, a mente cismática nos acusa de tentar racionalizar a teologia como que contrapondo Fé e razão, ideia estranha à verdade, pois o Criador de uma é o mesmo da outra. Assim, acusam-nos de afirmar “cada vez mais o Deus dos filósofos e cada vez menos o Deus de Abraão, Isaque e Jacó”. Evidentemente, para prosseguirmos, havemos de ignorar esse contrassenso.O princípio de individuação (ou de distinção) entre as Pessoas divinas é a relação oposta entre Elas.É necessário admitir-se que o Espírito Santo procede do Filho. Pois, se dEste não procedesse, dEle não poderia de modo nenhum pessoalmente distinguir-Se (…) donde se conclui, que só pelas relações se distinguem, entre Si as Pessoas divinas. Ora, as relações só como opostas é que podem distinguir as Pessoas, o que assim se demonstra: tem o Pai duas relações; uma referente ao Filho e outra, ao Espírito Santo; as quais, todavia, por não serem opostas, não constituem duas pessoas, mas pertencem unicamente só à pessoa do Pai (S.T., I, q. 36, a. 2, resp., destaques nossos).Contra este argumento, os ortodoxos afirmam que não é necessário se admitir o Fillioque porque o Espírito é a Pessoa que procede do Pai, e o Filho, Aquela que é gerada pelo Pai.Reside, contudo, um equívoco no argumento (facilmente se percebe a falta de relação entre o Filho e o Espírito Santo):
"Se, portanto, no Filho e no Espírito Santo só houvesse duas
relações, pelas quais Um e Outro Se referissem ao Pai, elas não seriam opostas
entre si, como não o são as duas pelas quais o Pai a Eles Se refere. Por onde,
como a pessoa do Pai é una, seguir-se-ia também ser una a pessoa do Filho com a
do Espírito Santo, tendo duas relações opostas às duas do Pai. Ora, isto é
herético porque destrói a fé na Trindade" (cf. ibid. destaques nossos).
Em outras palavras, o Filho e o Espírito Santo seriam uma só
Pessoa, pois que entre Eles não haveria relação oposta que Os diferenciasse:
"Logo, é
necessário que Se refiram entre Si o Filho e o Espírito Santo por relações
opostas senão as de origem, como já provamos. Mas as relações opostas de origem
se fundam no princípio e no que provém do princípio. Logo, e necessariamente,
ou o Filho procede do Espírito Santo, o que ninguém diz, ou o Espírito Santo
procede do Filho, como nós confessamos" (cf. ibid. destaques nossos).
Para
sermos completos, apresentamos todo o argumento do Doutor Comum:
Com o que também está de acordo a razão da processão de Um e de Outro. Pois, já dissemos que o Filho, como Verbo, procede a modo de intelecto; porém, o Espírito Santo a modo de vontade, como Amor. Ora, necessariamente, do verbo procede o amor. Pois não amamos senão a quem apreendemos pela concepção mental. Por onde, desta maneira, é manifesto que o Espírito Santo procede do Filho.Mas também a própria ordem das coisas assim o ensina. Pois, nunca vemos de um ser procederem desordenadamente outros, salvo quando diferem só materialmente; assim, um ferreiro faz muito cutelos materialmente distintos entre si, sem nenhuma ordem mútua. Porém as coisas, que se distinguem não só pela distinção material, sempre mantém uma certa ordem entre si. Por isso, também a ordem das criaturas manifesta o esplendor da divina sabedoria. Se pois de uma mesma Pessoa, a do Pai, procedem duas outras, o Filho e o Espírito Santo, é necessário tenham elas entre si uma certa ordem, e esta não pode ser outra senão a de natureza, por cuja ordem um procede do outro. Logo, não é possível dizer-se, que o Filho e o Espírito Santo procedem do Pai de modo tal que nenhum dEles proceda do Outro; a menos que introduzamos entre Eles uma distinção material, o que é impossível (cf. ibid. destaques nossos).
A doutrina católica da Santíssima Trindade, ao firmar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, confessa a íntima unidade entre todas as Pessoas entre Si, sem isolar nenhuma dElas. Segundo o catolicismo (garante-se a união consubstancial das três Pessoas divinas). Deste modo, a doutrina católica é a única que está em total harmonia com a reta razão iluminada pela boa Filosofia. Esta afirma a necessidade da individuação entre as Pessoas do Filho e do Espírito Santo (apenas possível pelo Filioque); enquanto aquela assegura a perfeita comunhão entre as Pessoas divinas.
O testemunho das Escrituras
Uma das passagens mais claras da Escritura
a respeito da processão do Espírito Santo também do Filho é esta:
"Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda
a verdade, porque não falará por Si mesmo, mas dirá o que ouvir, e
anunciar-vos-á as coisas que virão. Ele Me glorificará, porque receberá do que
é Meu, e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai possui é Meu. Por isso, disse: Há de
receber do que é Meu, e vo-lo anunciará" (Jo 16,13ss).
Os
opositores do Filioque afirmam que, nas Escrituras, encontram-se duas
expressões para designar origem:
1. έκπορεύεσθαι
⇒ proceder
2. προϊέναι
⇒ sair.
«Proceder» é usado para indicar a origem
eterna de uma das Pessoas divinas. «Sair» é usado para indicar a origem da
missão temporal.
O
argumento ortodoxo é que nas passagens em que se falam da vinda ou envio do
Espírito, sempre é usado o verbo «sair», são exemplos:
-E
os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida (Jo 5,29);
-E, saindo eles de Jericó, seguiu-o grande multidão (Mt 20,29).
-Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (Mt 4,4).
-E da sua boca saía uma aguda espada, para ferir com ela as nações (Ap 19,15).
Todas
elas usam o verbo grego προϊέναι. Há, entretanto, a seguinte perícope:
"Mostrou-me então o Anjo um rio de água viva resplandecente como
cristal de rocha, procedendo do trono de Deus e do Cordeiro" (Ap 22,1).
Bartmann argumenta a favor do Filioque baseando-se nesta passagem:
O rio de água é símbolo do Espírito Santo, como se pode ver: “Quem
crê em Mim, do seu interior manarão rios de água viva (Zc 14,8; Is 58,11).
Dizia isso, referindo-Se ao Espírito que haviam de receber os que cressem nEle,
pois ainda não fora dado o Espírito, visto que Jesus ainda não tinha sido
glorificado” (Jo 7,38ss) (Teologia dogmática 1, destaques nossos).
Essa
interpretação é totalmente concorde com o sentir de Santo Ambrósio:
"Certamente o Rio que procede do trono de Deus é o Espírito Santo,
de Quem bebem aqueles que creem em Cristo, como Ele mesmo diz: Se alguém tem
sede, venha a Mim e beba. Portanto, o rio é o Espírito Santo" (De Spiritu Sancto
3,20,154, destaques nossos).
Também, o
Padre latino São Beda, o Venerável (séc. VII), ensina:
A água é figura do Espírito Santo, como Senhor testemunha, “quem crê em Mim, como diz a Escritura, do seu interior manarão rios de água viva. Mas Ele dizia isso referindo-Se ao Espírito que haviam de receber os que cressem nEle” (21,20, destaques nossos).Aqueles que querem beber dessa Água, hão de procurar Cristo para apenas dEle a receber. Assim, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho [7].
Conclusão
A doutrina do Filioque sobrevive unanimemente à análise dos Padres ocidentais (item 2.2) e encontra adeptos entre os Padres orientais (item 3). O Magistério do Concílio Niceno-constantinopolitano nada fala que condene a doutrina (item 2.1).A monarquia do Pai — e a espiração de um só princípio — não é ferida, ao contrário, afirmada com a doutrina do Filioque (item 4.1), além de não repugnar à razão. Na verdade, ela impera como distintivo entre as Pessoas do Filho e do Espírito Santo, preservando a unidade consubstancial da Santíssima Trindade (item 4.2). A Sagrada Escritura atesta esta procedência (item 4.3), assim como o Sagrado Magistério e a Sagrada Tradição da Igreja Católica.A doutrina da procedência exclusiva e a monarquia absoluta do Pai é estranha até mesmo entre os gregos (item 2.2).Diante de tudo, não existe motivo algum, nem na reta razão, nem na Tradição, na Escritura ou no Magistério, que sustente a doutrina ortodoxa que é, portanto, herética.
Notas
[1] A confissão clara do Filioque por parte
da Igreja do ocidente se deveu à heresia ariana (séc. IV). O arianismo (de
Ário, presbítero de Alexandria) pregava que Cristo não era Deus, mas uma
criatura divinizada pelo Pai. Como uma profissão de fé na divindade do Verbo encarnado,
logo a Igreja ocidental afirma não só esta verdade, como explicita ser o Verbo,
juntamente com o Pai, coprincípio do Espírito Santo.
[2] Embora o Símbolo Quicumque receba
autoria de Santo Atanásio, a maioria dos estudiosos atuais não o identificam
como seu compositor, apesar de autores ilibados como Santo Tomás de Aquino (e a
própria Liturgia) atestarem-na. O que nos importa é que, independente da
controvérsia, esse Símbolo goza de prestígio também entre os orientais e, se
lhe foi atribuída a composição, no mínimo reflete seu pensamento sobre o
assunto.
[3] Santo Tomás, na Suma (cf. q. 36, resp.
3), diz que foi a partir da heresia nestoriana (séc. V) que se iniciou, de modo
explícito, o ensino que o Espírito Santo não procede do Filho. O nestorianismo
(de Nestório, Arcebispo de Constantinopla) professa que em Cristo há duas
pessoas distintas, uma humana e uma divina, razão por que dEle não pode
proceder o Espírito Santo.
[4] Não deixou, porém, de ter sua
influência na teologia oriental. De fato, a teologia oriental começou a falar
da processão do Pai pelo Filho que, originalmente, não difere da explicação
católica, pois aqui os orientais quiseram ressaltar a monarquia do Pai dentro
da dinâmica trinitária (ao longo do corpo do texto, essa doutrina será melhor
explanada):
E o Espírito Santo é o poder do Pai
revelando os mistérios ocultos da Sua divindade, que procede do Pai por meio do
Filho de uma maneira conhecida para Si mesmo, mas diferente da de geração (São
João Damasceno, Expositio accurata fidei orthodoxæ I, XII, destaques nossos).
Entretanto, o galho cortado, embora assim
que separado seja verdejante, seca com o tempo: a teologia oriental interpreta
a expressão «pelo Filho» como significando apenas o envio, no tempo, do
Espírito depois da epifania de Cristo e por Ele.
[5] É verdade, contudo, que quase todos os
Padres orientais que ensinam o Filioque são de Alexandria. A explicação disto
se dá pelo mesmo motivo por que a Igreja ocidental passou a professá-lo (ver
nota 1), já que o arianismo teve origem em Alexandria.
[6] O termo “ortodoxo” aí tem o sentido de
“correto, verdadeiro”.
[7] Interessante notar que o texto grego
dessa passagem do Apocalipse usa o verbo ἐκπορευόμενον que também é usado por São
João Damasceno (nota 2) e indica a procedência eterna do Espírito Santo (rio de
água viva) que procede do Pai e do Filho (trono de Deus e do Cordeiro).
Fonte-https://pelafecatolica.com/2016/05/14/filioque
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