*Por
Ivan Bilheiro
“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas
defenderei até a morte o direito de você dizê-las.”
François-Marie
Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire (Paris, 21 de novembro de 1694
— Paris, 30 de maio de 1778), foi um escritor, ensaísta, deísta, e filósofo
iluminista francês. Conhecido
pela sua perspicácia e espirituosidade na defesa das liberdades civis,
inclusive liberdade religiosa (excetuando-se para a Igreja Católica), e livre
comércio. É uma dentre muitas figuras do Iluminismo cujas obras e ideias
influenciaram pensadores importantes tanto da Revolução Francesa quanto da
Americana. Escritor prolífico, Voltaire produziu cerca de 70 obras em quase
todas as formas literárias, assinando peças de teatro, poemas, romances,
ensaios, obras científicas e históricas, mais de 20 mil cartas e mais de 2 mil
livros e panfletos.Foi um defensor aberto da reforma social apesar das rígidas leis de
censura e severas punições para quem as quebrasse. Por razões
particulares, esse escritor e homem do mundo alimentava um ódio feroz em
relação às religiões e particularmente à Igreja Católica, à qual só se referia
em seus textos com a abreviatura: "L’Inf" de L’Infâme (A Infame).
“Repleta teu cesto divino com a cabeça de tiranos! Santa Guilhotina,
protetora dos patriotas, Rogai por nós! Santa Guilhotina, calafrio dos
aristocratas, Protegei-nos!”(prece revolucionária, 1792-1794)
A França inteira
morrendo na guilhotina
Instalada
a máquina da morte por um tempo na Place du Carroucel, esta logo revelou-se
estreita para o grande afluxo de gente que desejava assistir as execuções.
Quando se deu o guilhotinamento de Luís XVI, em 21 de janeiro de 1793, tiveram
que encontrar um espaço mais amplo, fixando-a na Place de la Concorde,
rebatizada como Place de la Révolution. Nela seguramente cabia uns 20 mil
espectadores, se incluirmos as pessoas que acompanhavam os eventos do alto dos
balcões dos prédios que cercavam a praça (os moradores costumavam alugar as
sacadas para os que vinham do interior ou para gente dos outros bairros). Sempre
presentes, na primeira fila do cadafalso, injuriando os condenados, estavam as
tricoteuses, mulheres velhas que passavam o tempo fazendo os seus tricôs ao pé
da guilhotina, lançando palavra terríveis aos que iam entregando a cabeça
decepada ao cesto imundo de sangue, que ficava postado logo abaixo da lâmina
caída. Quando a multidão tinha um particular ódio por um dos sentenciados,
como ocorreu no caso da rainha Maria Antonieta, era praxe o carrasco erguer a
cabeça dele pelos cabelos para que uma onda de impropérios o enxovalhasse no
momento daquela triste despedida. No auge do terror a máquina alimentava-se
com umas trinta cabeças por dia. Tratava-se de um espetáculo de vingança
coletiva, no qual a massa popular encenava o seu acerto de contas com a nobreza
deposta e seus adeptos. Anteciparam as grandes encenações outras que
irão se repetir durante as situações revolucionárias do século XX, na Rússia
comunista de 1917, na Alemanha nazista de 1933, na Itália fascista de 1922, ou
nos julgamentos de massa dos seguidores da ditadura batistista feitas na Cuba
revolucionária em 1959.Investigação
afirma que a mais famosa das frases atribuídas ao filósofo francês, acima, jamais
foi escrita ou proferida pelo autor de Cândido, ou o Otimismo. O
pensamento filosófico, rico que é, já cunhou uma série de expressões que, bem
empregadas ou não, tornaram-se largamente conhecidas. É o caso, para ficar em
um só exemplo, da famosa máxima de Maquiavel: "os fins justificam os meios" (a
qual figura no capítulo XVIII de sua magnum opus O príncipe). Nesta
linha, no entanto, aparecem frases que, ainda tomadas como emblemáticas, não
podem ser verdadeiramente creditadas aos supostos autores. É possível que
existam diversas situações não esclarecidas em que isso ocorre, o que, diga-se
de passagem, macula o estudo de Filosofia mais do que os próprios supostos
autores. Mas há um caso ícone, o de François Marie Arouet, mais conhecido pelo
cognome Voltaire (1694-1778). Apesar de ser frequentemente citada,
inclusive em livros didáticos, como síntese de uma filosofia, a frase: "Posso
não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de
dizê-lo" (que pode aparecer escrita com algumas pequenas variações) não é
fruto da sagaz pena de Voltaire. Todo um retrato do pensamento voltairiano
foi construído em torno a essa citação, tomando o filósofo, a partir daí, como
um iluminista plena e irresolutamente comprometido com a liberdade de
expressão, cuja bandeira de luta seria a tal frase, assimilada como um lema.
Uma busca pelos
escritos de Voltaire, entretanto, planta a dúvida: onde está a afamada
afirmação?
A
investigação por esse caminho é, contudo, vã, pois não há, em nenhum texto do
filósofo, a preciosa frase. Algo tomado quase pacificamente como o resumo do
pensamento voltairiano revelando-se apócrifo, é mesmo o germe de uma pesquisa,
e a investigação revela-se frutífera. Nota-se, portanto, que a expressão é uma
daquelas frases que muitos leram, alguns citaram e quase ninguém pesquisou de
onde verdadeiramente veio (e de quem é?). Há um grande risco na falta de
precisão em casos assim, porque uma falsa atribuição nem sempre enobrece um
autor.
Eis a verdadeira autoria:
Marie
Jean Antoine Nicolas de Caritat, o marquês de Condorcet (1743-1794), foi um
filósofo e matemático ligado à Revolução Francesa. É autor da obra Ensaio sobre
o cálculo integral e fez parte da Academia de Ciências de Paris a partir de
1769.Na verdade, como pode-se verificar, a tão citada frase foi elaborada por uma
biógrafa de Voltaire, em uma obra do início do século 20, portanto, bem
distante do período de vida e produção do filósofo francês. Em um livro
de 1906 chamado Th e friends of Voltaire ("Os amigos de Voltaire" -
tradução livre), publicado em Londres pela Smith, Elder & Co., a
escritora Evelyn Beatrice Hall (1868-c. 1939), que durante um tempo usou o
pseudônimo S. G. Tallentyre, trata de dez figuras notáveis com quem seu
biografado, de alguma forma, se relacionou. São eles: D'Alembert, Diderot,
Galiani, Vauvenargues, D'Holbach, Grimm, Turgot, Beaumarchais, Condorcet e
Helvétius. É na parte dedicada a este último que a biógrafa apresenta a
frase "I disapprove of what you say, but I will defend to the death your
right to say it" ("Eu discordo do que você diz, mas vou defender até
a morte seu direito de o continuar dizendo", em tradução livre).Talvez
por uma questão de estilo, Evelyn Hall colocou a frase entre aspas e a
construiu em primeira pessoa, o que acabou gerando a confusão e a falsa
atribuição. Mas, de fato, a intenção da escritora era resumir o posicionamento que
Voltaire teria adotado com relação ao banimento de um livro de Claude-Adrien
Helvétius (1715-1771), outro filósofo francês com quem ele teve certo desacordo.Em
1758, Helvétius publicou o livro De l'espirit, o qual foi condenado pela
Sorbonne, pelo Parlamento de Paris e até pelo Papa. Apesar do desacordo
explícito com relação ao pensamento de Helvétius, Voltaire não acreditava que o
banimento daquele livro fosse um ato correto. Foi a atitude de Voltaire
frente a esta situação que Evelyn Hall tentou resumir com sua frase,
inadvertidamente escrita entre aspas e em primeira pessoa. Em
outro livro da mesma autora, chamado Voltaire in his letters ("Cartas de Voltaire"
- tradução livre aproximada), publicado em 1919, aparece a mesma ideia, ora
apresentado como um "princípio voltairiano" (embora ainda grafado
entre aspas e em primeira pessoa), com uma mínima alteração de redação, que não
resulta em conteúdo diferente. Ainda ali, Hall encerra o
"princípio" em um posicionamento de Voltaire para com Helvétius.
UMA CONSTRUÇÃO TARDIA
Nota-se,
portanto, é que a famosa afirmação, nem é de Voltaire, e nem configura um resumo
de sua filosofia como um todo. Ela é, precisamente, uma construção tardia de
uma biógrafa, e não faz mais do que retratar uma determinada posição adotada
por Voltaire em uma situação muito específica com outro filósofo, e faz
com que seu poder de frase-lema da liberdade de expressão seja
consideravelmente reduzido.Essa
confusão involuntária chegou a ser reconhecida pela biógrafa de Voltaire. Na
revista Modern Language Notes, publicada pela The Johns Hopkins University
Press, em sua edição de novembro de 1943, há um texto de Burdette Kinne sobre o
assunto, intitulado Voltaire never said it! ("Voltaire nunca disse
isso!", tradução livre), em que consta a reprodução de uma carta de Evelyn
Hall, datada de 9 de maio de 1939, em que ela afirma ser de sua própria autoria
a tal frase erroneamente atribuída ao filósofo francês do século 18, chegando a
apresentar desculpas por seu texto permitir a interpretação de que a fala era
de Voltaire, mesmo não sendo esta sua intenção.Ainda houve quem
considerasse que Evelyn Hall teria, seja por acaso, ou não, feito uma paráfrase
de uma fala, esta sim, de Voltaire, menos conhecida, que se encontraria em uma
carta endereçada a um certo Monsieur Le Riche, datada de 6 de fevereiro de
1770. Esse foi o caso de Norbert Guterman, editor do livro A book of french
quotations ("Um livro de citações francesas", tradução livre),
publicado na década de 1960. Segundo ele e os demais defensores desta linha,
haveria na referida carta a frase "Monsieur l'abbé, je déteste ce que vous
écrivez, mais je donnerai ma vie pour que vous puissiez continuer à
écrire" ("Senhor abade, eu detesto o que escreves, mas eu daria minha vida
para que pudesses continuar a escrever", tradução livre), uma espécie de
variação daquela mais famosa.Noam Chomsky,outra vez criou-se uma
equivocada atribuição a Voltaire deste Linguista, filósofo e ativista político,
nascido em 1928, na Filadélfia (EUA), Noam Chomsky é um polêmico intelectual,
autor, entre outros, de 11 de setembro (Bertrand Brasil, 2003) e O governo no
futuro (Record, 2007). Chomsky é professor emérito do Departamento de
Linguística do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
CONCLUSÃO:
Em
suas obras completas, publicadas em Paris já entre os anos de 1817 e 1819, sob
o selo Chez Th. Desoer, há a coleção de correspondências do filósofo, em que
figura a tal carta endereçada a Monsieur Le Riche, mas não é possível encontrar nada
sequer parecido com a famigerada frase. Até grandes pensadores como
Noam Chomsky se deixaram levar por essa "nova" falsa atribuição, como
é possível observar em seu artigo do jornal The Nation, intitulado His right to
say it, em 28 de fevereiro de 1981.Nesse
caso, Voltaire passou a ser tomado como ícone da luta pela liberdade de
expressão (nada mais contraditório, pois o mesmo era adepto do "faça o que digo, mas não o que eu faço"). É preciso rigor na investigação! Daqui por diante, fica como
sugestão o princípio:
"Eu posso até concordar com as afirmações o que citas, mas
requisitarei sempre fontes seguras para poder checá-las e confirma-las...”
REFERÊNCIAS:
Autores
franceses: Helvétius. Disponível em:
<http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/autores/franceses/1715._ helvetius.htm>. Acesso em 24 maio 2013.
CHOMSKY, Noam. His right to say it. Disponível em<http://www.chomsky.info/articles/19810228.htm>.
Acesso em: 20 mar. 2013.
GUTERMAN, Norbert. A book of french quotations: whith
English translations. Garden City, N. Y.: Doubleday, 1963.
KINNE, Burdette. Voltaire never said it!. Modern
language notes, v. 58, n. 7, nov. 1943.
TALLENTYRE, S. G. [HALL, Evelyn Beatrice]. The friends
of Voltaire. London: Smith, Elder & Co., 1906.
Voltaire in his letters: being a selection of
his correspondence. New York/London: G.P. Putnam's Sons/The Knickerbocker Press,
1919.
VOLTAIRE.
Oeuvres complètes de Voltaire: correspondance générale. v. 11. Paris: Chez Th.
Desoer, 1817.
* Sobre o autor desta matéria: Ivan Bilheiro - É graduado em História pelo
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/ JF), graduando em Filosofia
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), instituição na qual também
cursa a especialização em Ciência da Religião e pós-graduando em Filosofia,
pela Universidade Gama Filho (UGF).
Fonte:/www.recantodasletras.com.br/artigos-de-cultura/5023780
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